sábado, 30 de dezembro de 2006

Morreu aquele que muito matou

À uma hora de Brasília,foi enforcado Saddam Hussein.
Mas isso não livra o mundo do mal,
pois o mal, como o vento, circula à solta.
O mal é um vento frio,
que atinge a alma e nos põe cabisbaixos.

Outros saddams existem.
E estão habitando o mundo
e as vidas de milhões de pessoas.

E isso faz do mundo um grande cortejo de vazios,
um préstito de medos solitários,
uma procissão de desvalidos coxeando.

Somos todos sombras caminhantes.

Por uma questão de bom senso - e de respeito a você - não sei se devo enganar a quem me lê, desejando um feliz ano novo. Desejo-lhe, sim, paz interior. Essa, você pode procurar.
Emanoel Barreto

PS: Voltarei a atualizar o blog dia 2 de janeiro

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O texto a seguir foi enviado pela cronista Zilda Neves. Vale publicar, já que os ecos do natal ainda ressoam em nossa vida.

O PRESENTE

24 de dezembro. Vinte reais. Era toda sua economia de um ano. Como presentear Roberto, no dia de Natal. Lágrimas rolam pelo rosto desconsolado de Silvia. Dona de casa exemplar, após todos os gastos mensais, guardava as moedas que poupava, num pequeno cofre.

Roberto, seu marido, merecia um presente digno, algo que marcasse sua vida. Tinham poucos bens móveis; alguns, guardados como relíquias.
Certamente, o marido admirava seus cabelos: longos, sedosos, naturais; ela, por sua vez, se orgulhava do relógio que ele conservava como lembrança de seu avô paterno.

Silvia enxugou as lágrimas colocou uma blusa já surrada, e altiva, levantou-se da cadeira, indo para a rua. As vitrines enfeitadas, coloridas, davam-lhe coragem.
Parou em frente a uma loja onde uma placa anunciava: “COIFFEUR”: tudo para seu cabelo. Entre e confira!

Ela entrou certa do que queria: vender seu cabelo.
- Eu compro, disse o cabeleireiro. Deixe-me vê-los soltos. Rapidamente as travessas foram retiradas, e uma linda cascata castanha, rolou pelos ombros da cliente. Oitenta reais é o que valem, questionou o dono do salão!
- São seus, disse Silvia.

As horas passavam rapidamente. Algumas lojas foram vasculhadas e finalmente encontrou o que procurava com os cem reais conseguidos: uma corrente de prata, para relógio. O relógio de Roberto!

Em casa, feliz com a compra, só então ela se deu conta do seu visual. Olhou-se no espelho e novamente lágrimas rolaram em sua face. O que iria dizer ao marido?
23 horas... A porta se abriu. Roberto, cansado, imóvel olha para a mulher. Um olhar sem expressão. Silvia corre para ele e diz:
- Não me censure. Por favor! Vendi-o, mas crescerá novamente. Sou a mesma pessoa que você ama! Veja que lindo presente tenho para você.

Roberto, perplexo, finalmente parece acordar. Abraçando-a, entrega-lhe um pequeno embrulho. Silvia, nervosamente abre-o e surpresa vê as “Travessas de madrepérola” , que tanto sonhara para prender seus cabelos...

Rapidamente, ela pede o relógio ao marido dizendo:
- Veja como vai ficar bonito, entregando-lhe a corrente.

Roberto cabisbaixo, responde:
- Não tenho mais relógio. Vendi-o para comprar seu presente.
A emoção toma conta do casal.
Abraçados choram, riem, gritando: “Feliz Natal”!

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

A cidadania refém. O medo seqüestra o Rio

Depois de o terror ter invadido as ruas de São Paulo, o Rio de Janeiro agora é a nova praça de guerra. As autoridades, como sempre, fazem reações pontuais, atacam favelas e depois se retiram. Os bandidos, na verdade, são o lado proativo do conflito.

Ele tomam a iniciativa, eles fazem os ataques, eles agem a qualquer hora, eles matam pessoas indefesas com a utilização de meios cruéis, eles depois escapam.

Não há, da parte do Estado, uma ação permanente e profunda de desarticulação das quadrilhas e captura e punição de seus membros. Sei que estamos lidando com o crime organizado, conseqüentemente, estamos enfrentando um sistema, cujas ramificações estão infiltradas na polícia e em outros segmentos do Poder formal. Mas sei também que a sociedade, pelos seus representantes legais, também é um sistema e com total respaldo jurídico para ações preventivas e repressivas.

Não havendo essas ações, agora que a hidra já começa a mostrar as suas cabeças, em futuro muito próximo será literalmente impossível seu enfrentamento. Especialmente porque, nos segmentos sociais onde grassam a miséria e a pobreza insolóveis, estão os solos férteis para o surgimento de quadrilhas.

A ação precisa ser social, para reverter um quadro perverso de divisão de renda, mas respaldada por um ataque contínuo e implacável aos criminosos. Não se pode admitir a cidadania oprimida por criminosos, assim como não se pôde admitir a cidadania oprimida pela ditadura que infelicitou o País durante tantos anos.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Saddam, o cadafalso e as dores do mundo

Os jornais falam que o enforcamento de Saddam Hussein pode se dar a qualquer momento. E as manchetes gritam seu anúncio da vingança do Estado contra quem, quando foi dono do Estado, fazia com os outros aquilo que farão com ele.

Seus adversários decerto irão comemorar sua morte, humilhante e grotescamente cruel; seus amigos e partidários gritarão aos céus, erguerão as mãos a Alá, o Misericordioso, chorando mais um mártir.

Na verdade, o Iraque é um país perplexo de si mesmo, exausto de seus dramas e inundado pelas lágrimas de suas mulheres; pasmo do medo das suas crianças, lavado pelo sangue do invasor arrogante, devastado pelas explosões enlouquecidas de seus homens-bomba e cheio do doloroso vazio de estar vivo entre escombros de homens e de máquinas. O Iraque é o esconderijo da ira.

A crônica da História já intimou ao cadafalso da tragédia a morte de quem tanto matou. E a Morte, esse ser sem forma e sem consistência; esse ser que não é porque não existe; não existe porque é ausência de vida, mas que todos guardamos dentro de nós, sempre acorre, quando se faz chamada. E virá até Saddam no nó corrediço da Justiça vingativa.

Segue Saddam, segue à tua forca. Mas, lamentável e tristemente, de alguma forma todo o mundo, como em profunda solidão rumo às sombras, também sucumbirá à agonia, ave soturna de tua estúpida paixão.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Já pensou se o menino é mesmo o Buda?

Ram Bahadur Banjan, de 15 anos, foi reencontrado numa floresta ao sul do Nepal. Ele estava desaparecido havia dez meses, supostamente sem ingerir água ou alimentos e dedicando-se unicamente à meditação. Aparentemente, isso seria apenas uma coisa de jornal, uma matéria voltada para despertar o lado da curiosidade básica de todo ser humano. Aquela coisa de o leitor dizer "Nossa!" e continuar, ávido, na seqüência do texto.

Mas, há um detalhe de qualidade: o rapaz seria a reencarnação de Sidartha Gautama, o Buda, o Iluminado. E, nos tempos de hoje em dia, quando muito se fala e se noticia a respeito de homens-bomba, iminente execução de Saddam Hussein, fome no mundo, e agora essa guerra na África, bem como os rotineiros ataques do PCC, até que faz bem ouvir o jornal dizer que um menino pode ser o Buda - jornais falam, manchetes representam gritos, o tamanho da letra tem relação com a altura da voz, já havia pensado nisso?

Sinceramente, espero que seja mesmo o Buda. Estou cansado, todos estamos cansados do dia-a-dia de dor e ódio. Já reparou que todos os telejornais são praticamente iguais? Já reparou que a miséria humana tornou-se uma banalidade impressa ou dita na TV ou no rádio? Já olhou para dentro de si e admitiu que pode haver algo mais que isso? Já pensou se esse menino é mesmo o Buda? Já pensou se esse menino é mesmo o Buda? Já pensou se esse menino é mesmo o Buda?

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Vivendo à luz de velas

O texto abaixo é transcrito do Jornal da Tarde on line. Sem comentários.

MARICI CAPITELLI,
marici.capitelli@grupoestado.com.br

A sensação é angustiante. O apartamento de 40 m² escuro e abafado com 18 crianças, entre 2 e 12 anos, vivendo amontoadas com a avó. Quando o dinheiro dá, a família, que está com a energia cortada por falta de pagamento há dois anos e meio, ainda compra algumas velas.


Só que, quando elas são acesas, os vizinhos entram em pânico com medo de incêndio. O apartamento fica no quinto e último andar do Conjunto Habitacional CDHU E, em Carapicuíba, Grande São Paulo. Ao todo são 320 famílias. Além disso, quando a avó não tem gás para cozinhar, o que é comum, ela costuma usar álcool que compra no posto de gasolina a R$ 0,80 o litro.

Dessa maneira, pode fazer comida em uma latinha em chamas no chão do apartamento. “O risco de incêndio que preocupa todo mundo é muito real. Se pegar fogo vai ser uma tragédia porque algumas das crianças são pequenas e ficam todas amontoadas”, denuncia Fáttima Fant, da Associação Um Toque de Mulher que trabalha com famílias carentes em situação de risco e recebeu pedido de ajuda dos vizinhos para tentar resolver o drama da família que vive na escuridão.

Os problemas do dia-a-dia são tantos que o medo de um possível incêndio é o que menos preocupa a responsável pelas crianças, Vera Lúcia de Moura, de 57 anos, a avó. Em abril, vai fazer três anos que a família está sem luz.O valor da conta é de R$ 320. Com vela ou sem vela, a vida da família que vive na escuridão é um inferno.

Não tem água quente para banho mesmo nos dias mais frios. Uma das crianças já teve pneumonia. Também não é possível usar a geladeira. Outra missão impossível para a garotada é fazer lição de casa quando escurece. Loucas por televisão, as crianças mais velhas ficam nos corredores do prédio tentando assistir o aparelho dos vizinhos pelas frestas das janelas. “Encosto bem no vidro e posso escutar o que estão falando na televisão. Adoro desenhos”, contou Lucas, 11 anos.

Sem comida, a ordem na casa é ou almoçar ou jantar. E mesmo assim, sem qualquer tipo de mistura. Também são raros os dias em que as crianças podem se dar ao luxo de comer um pãozinho inteiro cada uma com um pouco de maionese comprada na loja de R$ 1.“Não dá para ter as duas refeições de jeito nenhum. Muitas vezes, só faço milharina ou chá para que possam encher a barriga e parem de chorar de fome”, explicou a avó, que tem graves problemas de saúde, mas que fica até dois dias sem comida para alimentar os netos.

O mesmo acontece com o gato das crianças, que também passa dias sem comida.Mas a garotada não quer abrir mão do animal, que está desnutrido. “Quando eles ganham uma moeda na feira vão correndo comprar gramas de ração para o gatinho”, disse Vera Lúcia emocionada. Sem nenhuma renda, a família vive com a doação dos vizinhos, que também não é muita, já que a comunidade é pobre. Sobram para os vizinhos, além do medo do incêndio, o choro de fome das crianças.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Good bye, James Brown

ATLANTA, EUA - O polêmico e genial cantor americano James Brown, o "Padrinho do Soul", dono de uma voz rascante e de um estilo único o que o tornaram um dos fundadores do rap, do funk e da disco music, morreu nesta segunda-feira, em Atlanta (EUA). Brown tinha 73 anos.

A notícia saiu no Estadão online. Sai de cena uma grande voz universal. Jovem até o último instante, ele abrigava em si a condição de juventude, uma vez que esta é um estado de espírito e estado de espírito é algo que se tem e se vive; do mesmo modo que para ser poeta não é preciso fazer poemas, mas viver poeticamente,na sana loucura de ser-se em si, ser igual a si e diferente dos demais. Mesmo pagando o preço das opções que não rendam dinheiro ou simpatia.

O encantamento de Brown, assim como o de Braguinha, morto também neste período natalino, traz consigo uma indagação e uma perplexidade. No mundo das artes, especialmente no mundo da música popular, os grandes criadores e intérpretes cumprem seu período de vida, vivem seu tempo com intensidade, marcam épocas,impõem estilos, e quando partem deixam um grande vazio.

Um vazio que essa pós-modernidade que aí está jamais preencherá. As condições históricas são irrepetíveis e a indústria fonográfica está muito mais interessada em fabricar produtos-cantores, que levar adiante uma obra musical sólida e esteticamente relevante.

A efemeridade de cantores e grupos musicais que surgem de repente e desaparecem sem ninguém saber como, é parte do jogo da indústria cultural no plano da música.

Isso tudo é um reflexo dos tempos. São tempos de um grande vazio, onde a confusão reina, as pessoas estão imersas numa espécie de torpor violento e fugaz, onde comprar o objeto do momento é o grande objetivo de vida.

Foi-se James Brown, foi-se Braguinha. A vida mudou. O mundo grita suas músicas fast food. Mas nunca esteve tão mudo.

Um poema de natal

Recebi do poeta e jornalista Walter Medeiros o poema "Natal". Poeta cordelista, Walter traz em suas palavras a simplicidade da grandeza das rimas do Nordeste.

Ouço harpas angelicais,
Que trazem um som divino,
Tocadas para um menino,
Que nasceu trazendo paz.

Vejo a paz nos semblantes,
Que me rodeiam cada dia,
Parece uma fantasia,
Algo bem contagiante.

Sinto a vontade sincera,
De ter um mundo melhor,
De amor, respeito e dó,
Fazendo uma nova era.

Desejo que nesta hora,
Um anjo bom te ilumine,
Que o amor nunca termine,
Haja sempre boa aurora.

Ouço harpas angelicais,
Sinto este som tão divino,
Vamos louvar o menino,
Num Natal cheio de paz.

Agradecemos e retribuímos os votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo.

Walter e Graça (
http://paginas.terra.com.br/arte/cordel/ap13.htm - Poemas de Cordel )

domingo, 24 de dezembro de 2006

Calma na Alma é calma na Vida. Um Feliz Natal

Não chore o tempo que passou,
o sonho perdido,
o paraíso que não existe mais,
a força que já não é tão forte,
o medo que ronda na noite,
o temor de morrer amanhã,
o sentimento que não se pode expressar,
o golpe que vem traiçoeiro,
o talento que não foi reconhecido,
a boa vontade que não foi compreendida,
a ajuda que você não pôde dar,
a ajuda que não pode receber,
a palavra dura,
a ingratidão,
o silêncio quando você queria uma palavra,
a insensatez que corre pelas ruas,
o pavor dominando a paz,
o triunfo cintilante do mal,
a cara triste do pedinte,
a mudez do trabalhador exausto,
a honradez cansada de persistir,
o escárnio do político que se enriquece,
a solidão plantada em cada alma.

Não chore.
Não chore, pois ainda há tempo sob o sol.
Havendo confiança, haverá coragem.
Havendo coragem, chegarão as mudanças.
O futuro é incerto e não-sabido.
Mas o golpe aparado pelo que resiste
é sinal de que amanhã haverá mais resistência.

Não chore. Sempre há alguém,
no silêncio e no frio, acreditando na Estrela.
Eu estou acredianto na Estrela.
Calma na Alma é calma na Vida.
Um Feliz Natal.

sábado, 23 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

A cidade natalina

A cidade se ilumina

para o tempo grande do Natal.

As luzes são indicativo

da festa anual que se repete,
fazendo renascer o
sentimento guardado e mudo, de paz.

Para muitos, o Natal é isso: uma festa

que chega e passa. E dela não levam
senão um gosto de vinho e de alegrias
engarrafadas, enquanto, no íntimo de cada um,
permanece um sentimento de nada.

Que o Natal, sirva para não mais

um brinde de bebidas, mas erga,
bem alto, a esperança de um Homem novo.

Uma crônica de Augusto Seveto

Mexendo nos meus arquivos virtuais encontrei a transcrição desta belíssima crônica de Augusto Severo Neto, escritor, poeta, homem de elegância e de talento. A transcrição fora feita por Woden Madruga. Ótima para se ler, mesmo que o tema não seja natalino. Mas o estilo e a beleza são puro encantamento, como este encantamento de natal, que teimamos, apesar de tudo, em manter brilhando na alma.

"Um sábado qualquer do mês de maio. Maio das flores e das noivas, de um tempo em que isso não significava apenas uma promoção a mais de diretores lojistas, das lojas de eletrodomésticos, dos magazines de confecções e outros como tais. Mês de maio inteiro e de vergonha, daqueles que, às vezes, ainda aparecem nos antigos filmes e nos romances de primavera e de amor.

Sendo sábado e principalmente sábado de maio, era dia de footing na Ribeira. Isso significava que a rua Doutor Barata, a rua das Virgens, a Duque de Caxias, a Tavares de Lira e principalmente a Praça Augusto Severo (cuja estátua ostentava um ar particularmente feliz), estavam floridas de mulheres bonitas, que desfilavam seus vestidos de melindrosas, suas meias de seda e seus sapatos de saltos altos e grossos, semelhantes aos das dançarinas de flamengo, até mesmo pela correia trespassada no peito do pé.

Era um colorido macio de tons pastéis, que harmonizavam com os rubans de vlours em torno do pescoço onde se costumava prender uma flor, ou terminados em laço, cujas pontas pendiam adiante e atrás, sobre as espáduas. Somava-se a isso o brilho dos pendentifs de coral encastoado em ouro; de esmalte, com o retrato do ser querido, ou ainda tipo coffret ultra pequeno, contendo uma romântica mecha de cabelos. Além disso, os colares, os anéis, as pulseiras e os brincos de pérolas, rubis, esmeraldas ou brilhantes, igualmente encastoadas em ouro.

Também naquele sábado, os homens envergavam seus melhores ternos, duques ou jaquetões, ou blazers de mescla inglesa, cinza chumbo, com calças pretas, com riscas de giz. Podia ser que estivessem ainda de calças de flanela branca ou creme bem claro, com paletó azul, tipo comodoro, com botões de metal. Meias de seda ou de fio de Escóssia, cuidadosamente estiradas pelas ligas. Sapatos de duas cores (branco e marrom), ou então negro, de verniz ou pelica.

O uso do colete era comum e havia uma predominância de gravatas-borboletas em seda, com petit-pois vermelhos, verdes ou de outras cores, mais ou menos graúdos. Se a gravata era de manta, trazia, quase sempre, um alfinete ou um prendedor de ouro, com uma pérola preciosa, ou o monograma de quem os usava.

João Alves de Melo, da Photografia Elite e João Galvão do Photo Chic eram os fotógrafos da cidade e estavam ali presentes, atendendo moças, moços ou casais que quisessem guardar, como lembrança, uma foto em uma das passarelas-pontes da praça; debruçados no belo coreto; junto a Erma com o medalhão de Nísia Floresta Brasileira Augusta; sentados em um dos bancos de ferro forjado e pinho-de-Riga; ou ao pé do chafariz com sua graciosa indiazinha apertando a cabeça da serpente, de cuja boca saía um jorro de água. A Erma, o Chafariz e os bancos sumiram; as pontes-passarelas e o coreto foram destruídos, para dar lugar a isso que vocês estão vendo.

Do primeiro andar da Escola Doméstica fundada pelo Doutor Henrique Castriciano (irmão de Eloy e de Auta de Souza), as alunas internas olhavam a paisagem festiva e respondiam aos acenos dos moços da praça. A loja Paris em Natal estava com as vitrinas iluminadas e expunha seus artigos mais finos. Por entre os pares, na praça, havia vendedores de flores e garotos que carregavam taboleiros, oferecendo açúcar candi, sequilhos, alfenins, chocolates, "Charuto" e confeitos "Baratinha". Ouvia-se também o retinir do triângulo do vendedor de cavaco chinês. A sorveteria Polyteama estava cheia e era grande o consumo dos sorvetes e dos "polys".

À noite a festa continuaria. Haveria o concerto de uma cantora lírica no Theatro Carlos Gomes e um baile a rigor no Aero Clube. Luxuosos longos, muitas jóias, casacas e fraques, além dos primeiros smokers que começavam a aparecer. João Galvão e João Alves estariam presentes, espoucando seus flashes de magnésio e documentando fotograficamente as belas e os elegantes. Depois tudo sairia publicado n’A Cigarra, do saudoso e inesquecível Adherbal de França, o Danilo, primeiro cronista social da cidade."

Numa crônica anterior, "O cine Polytheama", que era o número 252 da Praça Augusto Severo e cujo prédio não existe mais, Augusto faz uma outra referência a loja Paris em Natal:

"Pegada com o Polytheama estava a loja "Paris em Natal", um belo sobradão de balcões de ferro, onde o coronel Aureliano de Medeiros, com seus filhos Oswado e Ulisses, oferecia ao povo chique da cidade, toda sorte de artigos importados, que iam do pó de arroz ao extrato; do calçado ao chapéu da palhinha, feltro ou Panamá; do foulard de fina seda francesa aos cortes de pura casemira inglesa. O próprio interior da loja sugeria coisas da velha Europa. Paris em Natal fazia esquina com a travessa que ia dar na Alfândega Velha, hoje chamada Travessa Aureliano".

O Poytheama eu não alcancei. A Paris em Natal, sim. A conheci com todo o seu esplendor, a mais chique loja da cidade, começo dos anos quarenta. Menino ainda de calças curtas fui lá várias vezes. Meu tio Antônio Coutinho Madruga, irmão mais velho do meu pai, era o seu gerente. E eu era aluno do Colégio Pedro II, na rua Sachet, oitão do então Teatro Carlos Gomes, duas quadras só distantes da famosa loja.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

Árvore de dor e de coragem

A Árvore da Cidade fica na Ribeira

como uma espécie de marco vegetal
a indicar os rumos de Natal.

Retorcida em seu tronco sofrido e resistente,

a árvore estira-se para o céu,
com seus galhos de dor e de coragem, nordestina e firme.

Ser vivo feito de seiva,

árvore construída pela força da vida,
ela cresceu sem cuidados,
sem adubos, favorecimento ou zelo.

E hoje, como Árvore da Cidade,

dá as boas vindas ao Natal de 2006,
sem saber que ela própria é um
símbolo do amanhã,
uma vez que traz,
escondidos em seu tronco,
todos os dramas de todos os tempos.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Numa falsa entrevista, é verdade que tudo é mentira

A construção da fama na mídia, caso isto resulte de um processo mercadológico, uma ação intensiva e extensiva, programada passo a passo para o convencimento da sociedade de que alguém é importante o suficiente para merecer atenções enfáticas, é algo que chega a ser monstruoso, dada a fonalidade manipulatória a que se destina.

Esse processo vem se desenvolvendo ao longo dos anos com Xuxa, que hoje menos que uma pessoa é um produto, é usada por uma engrenagem de mídia e dessa engrenagem também se locupleta. A coluna Zapping, da Folha online, conta que hoje a filha da apresentadora, Sasha, irá ao Programa do Jô reclamar que as coleguinhas de escola só se aproximam dela por ser filha de alguém famoso.

Tem-se aí um factóide, um falso acontecimento, um pseudo-acontecimento, uma entrevista programada para obter o efeito-fofoca, um disse-me-disse em torno de algo que, em si, não tem qualquer importância.

O que a menina vai declarar vai muito distante de um drama existencial, um angústia, algo desesperador. Sequer passa longe do assédio moral, caracterizado pela ação coercitiva, humilhante ou de qualquer forma discriminatória de alguém ou de um grupo sobre alguém ou grupo, visando que esse alguém ou grupo assim assediado seja prejudicado em suas atividades. Disso resulta uma má imagem e acabrunhamento às vítimas.

Nada disso ocorre com a filha de Xuxa. A aproximação das coleguinhas de escola pode até incomodar, se alguma quiser sair por aí dizendo que convive com algujém célebre, mas a filha de Xuxa convive com outras pré-adolescentes de igual classe social, compatilha com estas valores e visões de mundo, perfeitamente adaptada. Não tenho qualquer dúvida.

A entrevista com Jô Soares soa, assim, muito mais como uma jogada de marketing de Xuxa, que já deve estar programando sua saída do vídeo. Afinal, já está uma senhora com seus 43 anos. Não creio que pretenda chegar aos 60 usando maria-chiquinha e se apresentando como a rainha dos baixinhos.

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Ilusões do amanhã

Recebi e publico o poema abaixo. Uma mostra de sensibilidade, simplicidade e grandeza.

(Alexandre Lemos - APAE)

Este poema foi escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional.
Excepcional é a sua sensibilidade!
Ele tem 28 anos, com idade mental de 15 e peço que divulguem para prestigiá-lo.
Se uma pessoa assim acredita tanto por que as que se dizem normais não acreditam?

ILUSÕES DO AMANHÃ
(autor: Alexandre Lemos_Aluno da APAE)

"Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes parece de mim esquecer?"
Procuro em todas, mas todas não são você

Eu quero apenas viver
Se não for para mim que seja pra você.
Mas às vezes você parece me ignorar
Sem nem ao menos me olhar
Me machucando pra valer.

Atrás dos meus sonhos eu vou correr
Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.
Se a vida dá presente pra cada um
O meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito?
Esse mundo cheio de preconceito.

Quando estou só, preso na minha solidão
Juntando pedaços de mim que caíam ao chão
Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.

Talvez eu seja um tolo,
Que acredita num sonho

Na procura de te esquecer
Eu fiz brotar a flor
Para carregar junto ao peito
E crer que esse mundo ainda tem jeito

E como príncipe sonhador
Sou um tolo que acredita ainda no amor.

A condição humana

Uma notícia chamou-me a atenção em especial, ao ler os jornais na internet. a desesperadora situação de Mateus, de oito anos, que passou oito dias preso num buraco de um metro e meio de diâmetro e seis de profundidade.

Alimentava-se de lama e capim e à noite, para suportar o frio, se cobria com lama. Foi resgatado domingo último. Os pais, até a leitura da matéria por mim, não o haviam ido buscar no hospital para onde foi levado, em Goiânia. O buraco , armadilha silenciosa e estática, fora escavado num terreno que fica a
15 quilômetros de Goiânia.

São surpresas assim, acontecimentos assim, que se postam ante nossas vidas, que nos fazem pensar na triste e pobre, maravilhosa e extasiante, miserável e grandiosa condição humana. O ser humano é possuído e possuidor da grandeza e da decadência. Age e destrói. Assim como pode ser alvo da ação da natureza e por esta destruído. Afora o fato de que traz em si mesmo sua última destruição, a própria morte.

Estamos sujeitos à álea, aos imprevistos. Pensamos que a vida, os acontecimentos, seguem um rumo normal e reto, quando na verdade tudo é ilusão.

O que há são construtos mentais. Esquemas mentais decorrentes do pensar coletivo, que permeia todo o grupo do qual se faz parte. E assim, quando o menino Mateus, ao correr pelo terreno para cortar caminho e chegar à sua casa mais rápido, imergia ali no seu sentido de realidade, na sua sensação de normalidade: foi pego e tragado pelo chão aberto e soube aí o perfeito sentido da palavra solidão. Gritou até acabar a voz.

E então entrou no doloroso e terrível momento da espera. A álea, a moira, o fizeram afundar na terra. Agora, está num hospital à espera do pai adotivo e da mãe, que não apareceram. O ser humano é alguém em processo. Para quê? Essa é uma pergunta que ronda a humanidade há milênios.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

"Vamos transformar a vida deles num inferno."

Deu no Estadão online: “Aldo e Renan vão ter de recuar e desistir desse reajuste. Se não fizerem isso, vamos transformar a vida deles num inferno na próxima legislatura”, ameaçou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Os comandantes da reação acreditam que no plenário o valor fixado seria outro. Isso porque a questão teria de ser definida em votação aberta, expondo todos os congressistas ao constrangimento de tomar uma posição pública sobre o assunto."

A reação popular ao escárnio comandado pelo deputado Aldo Rebelo e pelo senador Renan Calheiros está mobilizando parlamentares, que tentam de alguma forma reduzir o impacto que um aumento de quase 91 por cento na remnueração dos deputados e senadores representaria, moral e moneratiamente.

É que, além do aumento, o congresso também planeja, ou não seria melhor dizer trama?, a construção de banheiros nos gabinetes e, pasme, até mesmo um mini-shopping center, certamente para atender aos sonhos de consumo dos Srs. e Sras. senadores e deputados.

O jornal também informa: "Durante o fim de semana, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) se dedicou a redigir um projeto de decreto legislativo - o instrumento legal usado para tratar de questões internas do Congresso. O texto não sugere um critério de correção, mas uma das propostas em debate é que o reajuste corresponda à inflação acumulada ao longo dos últimos quatro anos, de 28,4% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)."

Não é o ideal, pois o salário mínimo não é reajustado com igual teor, nem mesmo as remunerações de categorias que ganham mais que o mínimo. Serve pelo menos de consolo, muito embora o ideal fosse que deputados e senadores não tivessem aumento algum. E se esse aumento é determinado em lei, que fixa subida de remuneração após cada legislatura, é muito simples, mude-se a lei e acabe-se com essa imoralidade.

domingo, 17 de dezembro de 2006

O Internacional é campeão e o Brasil mais bobalhão

O Internacional ganhou do Barcelona e agora é campeão mundial de clubes. Os deputados também são campeões de salário. Segundo li, ganham até mesmo melhor que seus, digamos, congêneres europeus.

Mas, pronto, o Inter ganhou. Milhares de brasileiros, talvez milhões, expurgaram com o gol dos gaúchos suas angústias e medos, sua submissão ao salário mínimo, às humilhantes filas de aposentados, às lamentáveis filas do SUS, à falta de remédios, aos bandidos que transformaram São Paulo e Rio em cidadelas do medo.

É para isso que serve o futebol: para cumprir um processo de catarse coletiva, fazer do povo massa de manobra eufórica, que se esbalda a cada grito de gol. Reconheço que o esporte - amador, esporte amador - tem sua validade, abre espaços a jovens para que deixem as drogas e o crime. Mas isso é em pequeníssima proporção.

No centro da questão estão mesmo os milhões em dinheiro e a empáfia de jogadores que se consideram o centro do universo. Isto é, aqueles que conseguem chegar ao estrelato. A maioria fica mesmo no meio do caminho ou amarga uma cruel e acabrunhante decadência, como o velho Túlio Maravilha. Lembra dele?

No mais, de qualquer maneira, é comemorar. Faz parte de um bom domingo de sol. Mas, no fundo, é triste comemorar um gol e sair amanhã com a cabeça cheia de problemas, mas pensando: meu time ganhou, eu sou campeão.

É não, é campeão não; é bobalhão.

Pimenta nos olhos da Justiça - II

Está suspensa a determinação judicial para que o jornalisma Antônio Marcos Pimenta Neves seja preso pelo assassinato de sua ex-namorada Sandra Gomide, ocorrido em 2000. Ele fora condenado em júri, mas o juiz decidiu que, mesmo assim, o criminoso poderia ficar em liberdade.

Agora, quando já se encontrava na condição de foragido e a opinião pública esperava sua captura, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, revoga o pedido de prisão. Entende que, como ainda cabem recursos, seria injusto que ele fosse preso, uma vez que, ao final do processo, poderia não se confirmar uma sentença condenatória.

Tecnicamente, pode estar perfeito o juízo. Mas o Direito não deveria ser aplicado unicamente a partir da letra fria de um processo. Cada caso é um caso. O matador, ao sair de casa portanto malas, para em seguida manter-se escondido, deu claros indícios de que pretendia burlar a aplicação da lei. Pimenta sentiu-se acossado ante a possibilidde de ser preso, uma vez que pedido nesse sentido havia sido feito pelo advogado da família da jovem a quem literalmente abateu, a tiros de revólver.

A voz das ruas, a opinião pública, o sentimento de humanidade, foram, com o assassínio da jovem Gomide, também afrontados pelo ato de Pimenta, cujo molho de ódio desabou sobre uma mulher indefesa.

Mas é assim que se faz o Brasil do cotidiano: com atitudes de insensibilidade, que de alguma forma respalda a crueldade; com ações de tecnicismo, que garantem a impunidade.

É Pimenta em liberdade e pimenta nos olhos da Justiça. Mas quem chora são os olhos de todos nós.

sábado, 16 de dezembro de 2006

O escárnio dos deputados: os lobos atacam o dinheiro do povo

A Folha on line publicou: "Em pouco mais de 15 horas, desde as 20h de ontem, mais de 1.100 leitores enviaram e-mails para a Folha Online opinando sobre a decisão dos parlamentares de reajustarem os próprios salários em 90,7% a partir de fevereiro de 2007. Eles passarão a ganhar R$ 24,5 mil mensais.A maioria esmagadora das mensagens revela indignação, revolta e também sensação de impotência do cidadão comum diante da decisão dos políticos, que é tomada como uma espécie de escárnio. O aumento vai ampliar os gastos públicos em R$ 1,6 bilhão no próximo ano."

O jornal anunciou também: "O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta sexta-feira (ontem) que o aumento dos salários dos deputados e senadores para R$ 24.500 não vai produzir efeito cascata no funcionalismo público federal. "Não vai ter efeito cascata, pode ficar certo disso porque não vamos abrir mão da nossa responsabilidade de manter uma política fiscal com o desejo que temos de crescimento", disse.Apesar da declaração de Lula, Assembléias de vários Estados já estão programando o aumento dos deputados estaduais. Esse é o caso da Assembléia Legislativa de São Paulo. Em Brasília, os deputados distritais também querem auto-reajustar seus salários.Lula disse acreditar que os presidentes da Câmara e do Senado, Aldo Rebelo (PC do B-SP) e Renan Calheiros (PMDB-AL), autorizaram o aumento porque sabem que o Orçamento do Congresso Nacional poderá absorver os impactos do reajuste. "Eu acho que o país comporta [o reajuste] se o país tiver crescendo a economia, se o país estiver rico. Agora, como os dois presidentes conhecem os seus orçamentos, eles sabem se dá ou não para dar", afirmou."

Os deputados, com esse aumento estratosférico, escarnecem, tripudiam sobre o povo e ainda se apresentam como representantes do povo. Os políticos brasileiros formam uma espécie sui generis de casta que se autopreserva: mesmo sabendo a temporariedade do mandato, o político cumpre à risca os ditames da ideologia que perpassa esse estamento e, mesmo aqueles que não se reelegem, criam as condições perversas para que seus sucessores cevem seus apetites monetários mais baixos às custas de um povo que sobrevive com um salário mínimo de 350 reais.

Para completar, o presidente Lula diz que o aumento não terá repercussões no funcionalismo público: é claro que não. Aumento de servidor não está atrelado a aumento de deputado. O efeito se datá nos segmentos políticos localizados nas assemléias legislativas, cujas remunerações parlamentares estão vinculadas à da câmara federal. Câmaras de vereadores também engordarão o pagamento de seus integrantes, dependendo do tamanho do município. É uma farra com o dinheiro do contribuinte, é um acinte à pobreza do povo brasileiro.

E o presidente ainda tem a desfaçatez de afirmar que os presidentes da câmara e do senado (que também autorizou aumento para os seus pares) sabem o que estão fazendo. Sabem, sabem sim: sabem que vão ganhar muito dinheiro, que vão manter o povo encurvado ao peso de seus baixos salários e que, por isso mesmo, poderão prometer muito na próxima eleição. O povo vai votar e... não vai acontecer nada. A não ser um novo e escandaloso aumento de remuneração disso que se chama de classe política.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Foi-se o grande homem dos concertos sanfônicos

Com a morte de Sivuca desaparece mais um grande sanfoneiro. Há muitos anos foi-se Luiz Gonzaga, mais recentemente Mário Zan, e agora o grande Severino Dias de Oliveira, aos 76 anos.

Músico de capacidade e talento, fez carreira internacional. Foi diretor musical de Miriam Makeeba. Lembra-se de Pata-pata, sucessão nos anos 60? Era ele quem dirigia a encapetada cantora. Foi ele quem criou uma orquestra sanfônica, grande espetáculo de força e paixão musical.

A morte de grandes artistas, nos dias atuais, em que o lado comercial tem grande prevalência na música, sinaliza para uma preocupação: até que ponto os interesses da grande mídia musical tem condições de impedir o surgimento de talentos de valor, favorecendo grupos e cantores descartáveis?

Trata-se, na verdade, de um processo perverso, que fideliza, ou melhor, vicia, um certo tipo de público, definido com bastante precisão por pesquisas e estudos de recepção de mensagens de massa, cujo perfil torna-se assim bem delineado e apto a comprar coisas como a "Egüinha Pocotó", somente para citar um exemplo.

Por trás de tudo, interesses comerciais que não têm qualquer compromisso com a cultura, o respeito às artes, o respeito até mesmo à pessoa humana, já que o consumidor é visto e tratado apenas como alguém apto a comprar, a curvar-se a modismos e vulgaridades.

Sivuca, a quem conheci em Natal após um show, marcou um período de criatividade e consolidação da música nordestina. Que faça uma grande festa com seu Luiz e Mário Zan.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Pimenta nos olhos da Justiça

O jornalista Pimenta Neves, ex-editor do Estadão, assassino da sua colega e namorada Sandra Gomide em agosto de 2000, agora está na condição de foragido. Ele fora condenado pelo corpo de jurados, mas, mesmo assim, colocado em liberdade logo em seguida, pelo juiz que presidia o júri. Ou seja: somente depois desse tempo todo, a Justiça percebeu que havia posto em liberdade um criminoso frio, calculista e cruel. E agora, está acionando o aparelho policial para a sua captura.

Enquanto isso, a mãe da jornalista, Leonilda Gomide, sofre com sérios problemas psiquiátricos. Está internada em uma clínida em Santos, onde alterna fases em que acredita que a filha está viva, com etapas de sanidade. O pai, também um homem doente, sofre com tudo isso.

E Pimenta, alheio ao sofrimento que causou, continuava desfrutando total tranqüilidade, até que afinal foi decretada a sua prisão. São casos assim que fazem do nosso País uma espécie de circo de horrores; horrores que nos cercam e que de alguma forma ameaçam a qualquer um de nós, que pode entrar no espetáculo da agressão e do desamparo a qualquer momento.

A conclusão é triste, surreal e absurda: Pimenta nos olhos da Justiça não é refresco para o cidadão. Data vênia.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

O Vietnã voltou. E os americanos não querem acreditar

O Estadão online traz a seguinte matéria: "Heróis são necessários para se sentir em casa. Este é o cerne da revista em quadrinhos The New Avengers - Letters Home. Numa revista que se confunde com a própria mensagem, ela mostra Capitão América, Surfista Prateado, Motoqueiro-Fantasma e Justiceiro numa “nobre” missão: garantir que os soldados americanos espalhados pelo globo na guerra contra o terror mantenham contato com seus entes queridos e se sintam mais próximos de casa."

Diz ainda a matéria: "Na revista, a organização criminosa Hydra - pense aí uma versão em quadrinhos da Al Qeada, Taleban ou ETA altamente sofisticada - rouba um satélite de comunicações americano. Cabe aos heróis liderados pelo Capitão América resgatar o artefato e permitir que os soldados no exterior consigam mandar mensagens de natal para suas famílias nos Estados Unidos."

O lançamento da revista está previsto para o próximo dia 20. O uso de personagens de histórias em quadrinhos pelos Estados Unidos em períodos de guerra é recorrente. Os personagens são símbolos, reúnem em suas figuras características e essências muito caras ao povo americano, especialmnte o patriotismo e a defesa subliminar da democracia. Democracia na acepção americana do termo: todos os povos obedecendo ao que eles determinam. Esta a liberdade versão United States.

Entretanto, agora, quando aumentam as baixas do exército, já há descontentamento entre o povo, mães e pais temem pela sorte dos filhos que podem morrer no Iraque por uma causa no mínimo duvidosa, eis que surgem os super-heróis para compensar, no imaginário da tropa, a dura realidade do dia-a-dia de homens-bomba, armadilhas e medo.

A missão, resgatar um satélite para que os soldados possam mandar mensagens de natal a seus familiares - que amor -, reveste-se não só do patriorismo heróico, mas do pieguismo choramingas: o filhinho que precisa falar com mamãezinha mas não pode porque meninos maus querem dominar o mundo, o filhinho tem que enfrentar os malvados e precisa deixar o ninho e sair de metralhadora em punho, tadinho.

Agora, chega o Natal e não é que os malvados querem até mesmo que Johnny deixe de falar com a mamãe? Nada disso! Capitão América chegou, para resolver a situação.

Assim estão as coisas. Zé Carioca já serviu para incluir o Brasil no mundo da Disney, na Segunda Guerra. Fomos promovidos a personagem da Disney, já pensou? Agora, até msmo as tropas deles precisam ser incluídas em seu próprio mundo de simulacro, para poder suportar o real. O Vietnã voltou e eles não querem acreditar.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Lula: esquerda é coisa de menino

O presidente Lula agora está dizendo que essa coisa de esquerda é para a juventude. Quem tem maturidade vai para o centro, tende a um maior equilíbrio, entende o presidente. Destacou que um jovem de direita está com problemas e um homem maduro de esquerda, também está com problemas. Ou seja: posições extremadas têm data certa para começar a terminar.

Reducionismos à parte, o presidente tem razão ao, mesmo que transversalmente, tocar na questão de que, com o tempo, o ser humano sofre mudanças que o encaminham para a ponderação, a serenidade, a sobriedade. O que não se pode é aceitar que, em nome da maturidade, alguém renegue todo o seu passado e adote comportamentos que contrariem frontalmente aquilo que sempre defendera.

Existe, a par da maturidade, uma coisa chamada coerência. O que se deve, com o passar do tempo, é reelaborar convicções, aperfeiçoar visões de mundo, aprender a convivência com os contrários, sabendo que as divergências são essenciais à vida em sociedade.

Para encerrar: maturidade não se confunde com sagacidade; escolher o caminho do meio não significa esconder-se nas dobras da dubiedade. Falar em equilíbrio não quer dizer jogar na lata do lixo da História compromissos que sempre foram bandeira de luta.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Morre El Jefe Pinochet: da cinzas à cinza; do pó ao pó

Morreu ontem, Dia Internacional dos Direitos Humanos, El Jefe Augusto Pinochet, que durante 17 anos fez do Chile um país sitiado pelo terror e pelo ódio aos mais mínimos princípios da democracia. Se a história lhe foi irônica ao marcar sua morte no dia em que, em essência, se comemora a dignidade humana, algo que o general desprezava, também lhe foi implacável pelo lado afetivo, pois ontem também se comemoravam os 84 anos de sua mulher, Lucía Hiriart Rodríguez.

O que se viu ontem, com a morte de Pinochet em tais circunstâncias, em que as coincidências tornam ainda mais dolorosas para seus seguidores as condições em que se deu seu fim? A pura e simples demonstração da triste condição humana. Aquele que foi o todo-poderoso, o tirano que impunha terror como norma de estado, o general que ordenava a morte de pessoas sem pestanejar, foi afinal fulminado e mergulhou seu nome sombrio nos registros implacáveis da História.

Seus admiradores o têm na conta de uma espécie de déspota esclarecido, um homem que deu rumo à economia do Chile. Mas os familiares de milhares de homens e mulheres, velhos ou jovens que tombaram sob o peso dos sabres da opressão, entendem bem o que seja a acepção estrita e bruta da palavra ditadura.

Foi sob Pinochet que desenvolveu-se a partir do Chile a Operação Condor, que reunia numa espécie de força-tarefa da morte os sistema de repressão dos países do cone Sul, para a captura e troca de prisioneiros políticos. Houve também a sinistra caravana da morte, onde batalhões percorriam prisões e locais onde estavam presos oposicionistas e simplesmente os executavam.

Ontem, multidões barulhentas acorreram às ruas de Santiago e outras cidades para comemorar, com brindes de champanhe, vinho e cerveja, a morte do Jefe. Seu corpo será cremado e as cinzas entregues à família. Somente em quartéis e repartições militares as bandeiras ficarão a meio pau.

Mesmo comemorando, o Chile secretamente chora os mais de três mil mortos e desaparecidos. E entidades internacionais de direitos humanos reclamam que seres como ele não sejam punidos, tais os entraves legais.

De qualquer maneira, foi-se Pinochet. Seu corpo prestes e virar cinzas. Da cinza à cinza; do pó ao pó.

domingo, 10 de dezembro de 2006

"Turistas", uma história de horror onde o Brasil é personagem e monstro

Circula na internet um indignado texto atribuído à internauta Rosely Júlio, onde se denuncia que estreará no Brasil, em fevereiro de 2007, o filme "Turistas" - assim mesmo, em português. A indignação com a produção da Fox é que, em resumo, esta apresenta nosso país como uma terra de bárbaros, aproveitadores, gente sem o menor escrúpulo que seqüestra um grupo de jovens americanos para lhes retirar órgãos e vender no sinistro mercado que comercia a vida humana.

Trata-se evidentemente de um reducionismo grosseiro e mal-intencionado, feito a partir do estereótipo sensualidade tropical&selva. Selva para onde os jovens são levados após uma farra na praia, quando teriam sido vítimas do golpe do boa-noite-cinderela. Ali, em plena jungle, são submetidos a tratamento brutal numa cabana e aterrorizados. Aparetemente tentam fugir e uma jovem cai num abismo. O trailer que me chegou mostra até aí.

Vejamos agora alguns aspectos: primeiro - a Fox é propriedade do magnata anglo-australiano Rupert Murdoch, dono do grupo News Corporation, que no Brasil tem o controle das operadoras Sky e DirecTV. Portanto, ele tem todo o interesse em desmoralizar o Brasil selvagem, inculto, belo porém bárbaro, para dar lugar à nova cultura globalizada, que certamente nos levará ao caminho reto e seguro do american way of life.

Segundo, e aí a visão internacional sobre o Brasil se arrima para avançar sobre nós garras e asas dos falcões do capitalismo internacional, nós mesmos projetamos para o exterior a idéia de que somos ao mesmo tempo hedonistas e dependentes, lascivos e irresponsáveis, licenciosos e incompetentes. Ficamos loucos de alegria quando o carnaval explode em sexo e orgia e isso atrai dólares e, aí sim, turistas.

Para completar, os correspondentes estrangeiros somente enviam aos seus jornais e agências de notícias aquilo que a noticiabilidade jornalística já tem incorporada há séculos: acontecimentos brutais como a guerra dos traficantes no Rio, a incompetência do Estado brasileiro em enfrentar o crime organizado, sua histórica omissão perante a Amazônia em devastação.

Para os invasores, vale tudo para manter em maré alta sua situação central e a nossa periferia. De alguma forma esse tipo de filme é indicial, é uma pista de que algo não vai bem. E não vai bem há muito tempo. Há poucos dias a presidente do STF, ministra Ellen Gracia, foi assaltada. Seus seguranças sequer resistiram. Ela não deu queixa à polícia. Os invasores vêem isso e estão à espreita. Depois, sair da ficção para ingressar na realidade é um passo.

Ou alguém duvida que em mais uns quarenta anos os marines estejam saltando sobre a Amazônia para garantir que o Inferno Verde seja salvo da insanidade nossa, e todo o território seja entregue ao controle internacional? Afinal, a floresta está sendo atacada, e atacada por nós, brasileiros.

Como no filme, seus órgãos vitais, as árvores, estão sendo retirados e vendidos. E então, Turistas será uma visão antecipada, uma metáfora inesperada e truculenta daquilo que, temo, virá. E aí, chegará a hora dos rangers aportar em socorro da vida. Depois bye, bye Brasil. Será tarde e Inês é morta.

E o mais irônico: mesmo manifestando indignação com Turistas, o texto atribuído a Rosely informa que ela mora no exterior, amedrontada que está com a violência em nosso país. É um protesto ridículo ou deplorável? Será que somos apenas isso: ridículos e deploráveis?

sábado, 9 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

Cidade mulher

Natal mulher. Descobridora de pétalas,

filha do sol, amiga da beleza,
desenho íntimo do instante feminino.

Grávida de paz, mãe de todas

as belezas, teus olhos
cultivam a alma da vida.

Cidade de espumas.

Artesã de teias invisíveis.
Menina linda. Que se atira, doce,
aos caminhos da beleza.

E que dorme, bela,

no silêncio do mar
profundo e manso.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Precisamos de um tapete mágico

Um sargento cujo nome é mantido em sigilo, confessou, chorando, ser o responsável pelo apagão dos aeroportos brasileiros. Ele trocou, por incapacidade profissional, os comandos que acionariam um sistema de rádio suplementar, que substituiria o sistema principal, que apresentava problemas.

Aí está a situação do controle de tráfego aéreo brasileiro. Entregue a gente desqualificada e o que é pior: eticamente incapacitada para o exercício de uma atividade tão importante. Explico: segundo o Estadão, ao perceber o erro, pois tudo imediatamente parou de funcionar, o militar retirou-se sorrateiramente. Somente depois que o pânico instalou-se, e mesmo assim muito tempo depois, ele confessou a falha e a fuga.

Resumo: e apesar de tudo,não se percebe uma ação enérgica do governo federal, através de suas instâncias competentes para o setor,na solução do problema. É inadmissível que num país como o nosso, com o volume de tráfego aéreo que apresentamos, tal situação se mantenha.

A categoria dos controladores de vôo precisa ser qualificada, treinada, inclusive em termos salariais, e ter um plano de carreira. Essas falhas que agora explodem são o resultado de anos e anos de ocultamento; mantinha-se uma situação caótica em seu limite máximo, até que aconteceu o acidente envolvendo o Legacy e um avião de carreira. E tudo veio abaixo.

Não se vê ação ou solução a curto prazo. Enquanto isso, podemos pensar: como seria bom ter um tapete voador. Ele seria como um bichinho mágico e amestrado. Voaríamos em paz e todas as nossas viagens seriam um sonho.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

O vigilante do Atlântico

Ele é uma espécie de guardião

dos mares, vigia perpétuo da noite,
protetor de náufragos tardios.

O Farol de Mãe Luíza
ergue-se como um porta

de salvação aos navios
que cruzam a noite
marinha e solitária.

Suas escadas são o

passo a passo de quem
segue a rota das ondas e
sabe que, no rebrilhar de
suas luzes, talvez esteja
o último alento dos navegantes
em meio à tempestade.

Farol de Mãe Luíza: vigilante

do Atlântico, amigo dos
que viajam no silêncio do mar.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

A maldição de Ícaro

Às vezes penso que Ícaro, depois de haver derretido suas asas na tentativa de voar, agora está se vingando e escolheu o Brasil para fazer valer seus ressentimentos.

Maldição de Ícaro ou o que seja, o problema dos congestionamentos dos aeroportos por falha do sistema nacional de radares que rastreia o setor, dá bem um demonstrativo de como é frágil, insegura, incompetente e imprevidente a administração pública deste país.

Se, ao invés do problema da aviação estivéssemos enfrentando um estado de guerra ou algo talvez até mais terrível, como a gripe aviária, estaríamos literalmente entregues ao caos. Haveria, como nos relatos bíblicos, choro e ranger de dentes. O Brasil já está socialmente sucateado; não suporta - nem merece - mais nenhuma avaria.

Mas as autoridades, de cima a baixo, continuam a se pautar pela cultura da imprudência, porque são imprudentes; pela ação do ócio, porque são desatentas; pela presença da ausência, porque estão pensando em seu futuro.

No mais, é o seguinte: quando o caos se instalar, quando alguma praga social se abater sobre o povo, estejamos certos: haverá choro e ranger de dentes.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Uma esmolinha pelo amor de Deus...

O jornalista trabalha em contato direto com a vida, seus descaminhos, encantos, desencantos, tramas, grandezas e abismos. Assim, muitas vezes pode acontecer o que nas redações é chamado de "jornalismo participativo", ou seja, o repórter encarna uma espécie de personagem e vai, assim transmutado, experienciar, por exemplo, como vive o pedinte, alguém que está numa fila do INSS, o sofredor que é massacrado numa fila do SUS.

Li no Estadão online que uma repórter vivenciou o papel de uma mendiga esmolou durante cerca de três horas, num movimentado ponto de cruzamento de duas avenidas em São Paulo.

Somente que há um problema: cabe ao jornalista que se apresenta para tal empreitada talento para redigir, qualidade de texto, capacidade de efetivamente incorporar o personagem e passar, via texto, as perplexidades, emoções, vilezas, truques e grandezas do ser humano, do tipo humano que representou.

E isso faltou à jornalista do Estadão. O trabalho poderia ter resultado numa bela crônica, numa dolorida visão daquele mundo paralelo. Mas, não. O jornalismo vem cultivando com grande afinco, nos últimos dez anos especialmente, o refinamento da burocracia do texto, vale dizer: a exacerbação da mediocridade, o relato seco e bruto, despido de criatividade e empatia maior, que não seja o da informação pura e simples.

Até como relato a matéria é pobre, de tão curta que é. Os jornais se arrogam o direito de pensar o que o leitor deseja e fazem reformas gráfico-editoriais, expulsando de suas páginas textos elegantes, refinados, capazes de informar e cumprir com uma das funções da linguagem, que é manifestar-se segundo uma estética.

É claro que jornalismo não é poema, nem poderia ser, uma vez que trata de contar a vida cotidiana. Mas isso poderia, em determinados tipos de assuntos, ser tratado com maior rigor. Ganha o leitor em informação num texto de qualidade e profundidade e ganha o jornalismo ao cumprir com sua proposta de acompanhar o homem em sua louca e desequilibradamente bela aventura de estar vivo.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

O Big Brother Brasil, os tolos e a realidade falsificada

Anuncia-se para janeiro a sétima edição do Big Brother Brasil. Detalhe: a imprensa fala em "mistério" cercando o programa, quando não há mistério algum: a Globo forja um clima de expectativa a respeito de uma lamentável realização televisiva. E por um fator muito simples: o BBB é totalmente previsível e se constitui unicamente numa seqüência de tolices cuja sordidez mercadorizada mobiliza as atenções de milhões de pessoas.

Fala-se que é um reality show. Realidade, ali, é algo que não existe. Os participantes cumprem um roteiro comportamental que só aparentemente é espontâneo, em busca do ganho de um prêmio em dinheiro. Todos os concorrentes agem segundo uma espécie de caos cifrado. Quem quebra as regras, brigando para valer com um adversário, é advertido.

No último programa, o desentendimento entre dois participantes foi editado para impedir que a troca de desacatos não fosse mostrada em toda a sua crueza. Ou seja: quando ocorreu algo "real", a realidade foi ocultada. A troca de insultos poderia ferir a sensibilidade do público e prejudicar, mercadologicamente, o produto.

Detalhe a respeito da farsa: as informações na imprensa indicam que todos os futuros BBBs já foram escolhidos. As inscrições são apenas um apelo à curiosidade massiva. Quem busca aparecer no BBB, apenas se expõe ao ridículo e pode terminar por ser apresentado no Fantástico como um bufão, um tolo que sucumbiu à tentação de ser famoso por quinze minutos.

Produtos como o Big Brother Brasil são uma fórmula escapista, uma saída de emergência, um ralo social por onde escorrem as mazelas de uma sociedade onde falta pão, mas sempre sobra circo. BBB: é verdade que é mentira.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Filme erótico da Xuxa agora está proibido.

O Estadão online publicou a seguinte notícia:"RIO - Xuxa ganhou nos tribunais um processo contra o site de leilões Mercado Livre, que pretendia vender cópias de um filme erótico protagonizado por ela em 1982, assim como o CD com músicas em inglês Xuxa Talk To Me, informaram nesta segunda-feira fontes judiciais. Xuxa exigia a proibição das vendas do polêmico filme Amor Estranho Amor, no qual aparece nua seduzindo um menino de 12 anos."

Figura midiática que faz muito bem o jogo do mercado de bens simbólicos, Xuxa busca com tal iniciativa garantir sua imagem junto ao público infantil, que sempre foi sua grande fonte de aporte financeiro. Aos 43 anos, tem em horizonte próximo os indícios de que não poderá prolongar indefinidamente o rótulo que construiu, de Rainha dos Baixinhos. O tempo não pára, as rugas são implacáveis.

Há muitos anos ela vem lutando contra a venda de cópias do filme e agora ganha uma grande batalha. O paradoxo está no fato de que o julgamento moral negativo a respeito do filme vem não da sociedade, mas daquela que se deixou filmar.

A produção não impediu sua ascenção ao estrelato e em nenhum momento houve qualquer reação ao filme, que integra a obra do diretor Walther Hugo Khouri, toda ela centrada no erotismo. À época, Xuxa investia sua imagem não só no cinema erótico, mas avistava também espaços largos em publicações como a Playboy.

Na verdade, buscava mesmo um nicho de mercado onde pudesse se apresentar e assegurar seu capital simbólico. Veio a Rede Globo e ela viu na criançada esse nicho. Apostou em sua imagem angelical, no jeitinho meigo, no rostinho infantilizado, e deu certo.

Depois, o filme ficou como que uma pecha, um estigma a ser apagado. E agora, mesmo tendo assegurado seu prestígio, que em nenhum momento correu perigo, persiste em impedir que tais recordações voltem à tona. Por isso, não concede entrevistas, não chega à cena jornalística: poderiam surgir perguntas "inconvenientes" e, assim, é melhor evitar.

Soube manipular muito bem a sua imagem. E as forças de mercado se encarregaram de manter em preamar esse prestígio. Em resumo: na sociedade da simulação, todos os atores que souberem agir segundo as suas regras, podem, sem temor, afivelar suas máscaras - e entrar no palco. O resto, o dinheiro e seus agentes fazem.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

I'm singing in the rain

"SÃO PAULO - O estudante Takashi Matsumoto propôs uma invenção curiosa com um guarda-chuva que pode ser usado para navegar na Web ou acessar outros conteúdos. O chamado ´Pileus´ traz um projetor movido a bateria e um sensor de movimentos, que permite ao usuário alternar entre uma seqüência de fotos, por exemplo, com apenas um rápido movimento de pulso. O produto foi exibido nesta quinta-feira, 23, em uma feira de tecnologia em Tóquio. As imagens exibidas pelo aparelho podem ser baixadas da internet. Segundo a proposta do estudante, o Pileus pode ser usado para tirar fotos ou gravar vídeos, que também podem ser exibidos na sua parte interna."

O texto entre aspas foi publicado pelo Estadão on line. Aparentemente, trata-se da demonstração de criatividade de um gênio, conhecedor profundo dos segredos, caminhos e mistérios da informática. Tecnicamente, é verdade, trata-se de um gênio. Socialmente, entretanto, é preciso ter uma outra visão.

Qual a validade, qual a importância de se ter um guarda-chuva que nos permite acesso à internet? Alguém pode andar em meio a uma chuvarada vendo fotos e vídeos? Você se imagina, deslumbrado e louco, caminhando assim?

A invenção, ao invés de manifestar-se como algo maravilhoso, demonstrativo do engenho humano, termina por se revelar uma forma de como o pós-moderno está nos dominando; estamos sendo vividos por nossas próprias elucubrações e a elas temos que nos curvar. Quem não o fizer, estará fora, perdido num tempo atrasado.

Tal invento não é deslumbrante, antes seria aterrador. Uma antecipação do quanto o mercado pode nos impor necessidades inúteis, frivolidades sofisticadas, pinceladas magníficas de uma criatividade que nos faz cativos da banalidade imponente.

Suponho que o tal guarda-chuva não terá sucesso, nem suscitará maiores interesses, que não seja o da curiosidade pura e simples - graças. Mas é inegavelmente peça indicial do quanto ainda nos será imposto, seja através de celulares - hoje já bastante apetrechados de penduricalhos - seja mediante computadores e televisores digitais.

Gerenciando todo esse processo, uma máquina administrativa transnacional geradora e gerenciadora de grandes lucros. A insensatez, o consumismo, o devaneio garantem a esse mercado largo lastro para que continue a crescer.

Assim, em matéria de chuva, prefiro o velho Fred Astaire, tão antigo e tão sincero em seu magnífico Singing in the rain. Prefiro cantar na chuva a me cobrir com os toldos fictícios, que nos molham de cobiça pelo inútil para assim passarmos a viver em função de tudo o que é fútil.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

O cinismo e mais dinheiro para os senadores

Uma composição de Gonzaguinha, cujo título não recordo, dizia, ao longo dos seus versos :"Tudo vai bem/Tudo legal/Você merece/Você merece". Em suma, a letra fazia a sátira do cotidiano brasileiro: seu conformismo, sua capacidade de ingerir o amargo do dia-a-dia, de conviver em silêncio com a incompetência do seu sistema de poder e de curvar-se ante a opressão da insensibilidade de seus governantes.

Detalhava que você tem de viver toda essa situação "e dizer que não está preocupado". E por aí seguia. Vendo na TV o presidente do senad Renan Calheiros cinicamente dizer que colocará em pauta um brutal aumento para si e para seus pares "pois está apenas cumprindo a lei", que determina que uma legislatura programe para a próxima um aumento na remuneração dos senadores, veio-me à lembrança Gonzaguinha e seu langor satírico.

As elites brasileiras, em sua crueldade histórica dissimulada, e por isso mesmo requintada em termos de sofisticação e ocultação da brutalidade da má distribuição de renda, são assim: dizem-se falar como representantes do povo, quando em verdade defendem unicamente seus interesses. Mudam alguma coisa para que o essencial permaneça intocado.

Na obra Prismas,onde analisa questões culturais, filosóficas e de comunicação de massa, Theodor Adorno cita o filósofo Spengler, que dizia:"A entrada de um partido aristocrático no parlamento é alto intrinsecamente tão falso quanto a entrada de um partido proletário. Somente a burguesia se sente em casa no parlamento."

Qualquer semelhança com o caso brasileiro não é mera coincidência. Vou ficar por aqui. Nós meceremos. Nós merecemos.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

Matou os velhinhos para ser honesto

O Estadão publicou o seguinte, a respeito do assassinato do casal de idosos em São Paulo: "O desempregado Luís Eduardo Cirino, de 29 anos, que confessou ter assassinado a facadas o casal Sebastião Esteves Tavares, 71, e Ilda Gonçalves, 68, no bairro de Perdizes, em São Paulo, na sexta-feira, pretendia apenas furtar dinheiro e objetos de valor para pagar do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) da residência onde morava."

O texto contém uma falha grave: a formulação redacional quase que justifica o crime ao indicar que o matador "pretendia apenas" praticar um furto para pagar o IPTU. A condição de desemprego, que ganha saliência no texto como segunda palavra do parágrafo inicial da matéria, dá a ênfase necessária para inserir o criminoso no perfil de uma pessoa desamparada e desesperada. Alguém que chegou ao extremo de matar para manter-se honesto e íntegro para com o pagamento de um tributo.

E o que o repórter fez errar? Simplesmente reproduziu as informações da fonte, do advogado que defende Cirino, do jeito que as recebeu. Veja:"A informação foi passada pelo a advogado Yvan Gomes Miguel, responsável pela defesa do desempregado, que era vizinho do casal e foi preso no domingo após se entregar à polícia. 'A intenção dele era furtar, e não roubar', declarou Miguel. Segundo ele, seu cliente estava desesperado com a dívida acumulada por conta do atraso nas contas do IPTU, mas não soube precisar o valor total."

Ao dizer que o criminoso queria furtar, não roubar, o advogado encaminha o crime para uma situação de menor gravidade, aliando a isso o desespero do dliente para manter-se quite com o fisco municipal.

Insisto: qual o erro do repórter? Apegar-se à literalidade do que lhe ditou a fonte, que no caso funcionou como elemento formulador primário da matéria. Um redator mais experiente teria formatado o texto com todas os dados, porém segmentando-os, a fim de que a notícia não acabasse por se tornar uma peça de defesa prévia.

O relacionamento jornalista/fonte é complexo, pois reúne interesses às vezes conflitantes. No caso, o jornalista buscou a exatidão dos fatos e, de tão preso a essa formalidade, permitiu que a fonte manipulasse a matéria. Isso demonstra incapacidade profissional para tratar de assuntos até mesmo de menor complexidade como esse, mesmo levando-se em conta sua condição de ocorrência trágica e humanamente inaceitável.

Imagine um jornalista assim entrevistando um suspeito de corrupção. Caso se detenha aos ditames da fonte, sua falta de domínio textual resultará num material que mostrará aos leitores o corrupto como um querubim.

Certa vez, numa conversa de redação, ouvi um comentário a respeito de falhas jornalísticas. Contava-se a respeito de um filho que havia espancado a mãe. A manchete fora a seguinte: "Bateu na mãe sem motivo justo". Do ponto de vista kafkiano com que o título foi redigido, o mesmo se aplica ao caso do criminoso de São Paulo: "Matou os velhinhos para ser honesto."

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Crônicas para Natal

Natal, um instante do mundo

A grande paisagem do mundo

pode ser resumida nas cidades.
Gente, árvores, bichos, rios,
tudo isso sai da natureza

e também chega às cidades.

Cada cidade é um instante do mundo

e da louca aventura do Homem,
rumo não se sabe bem a quê.

Assim é Natal: uma cidade brotada do mar,

que derramou-se para dentro do continente.
Como querendo dar um abraço, lá longe, no sertão.

Veloz e ferina em sua carreira,

Natal corre para todos os lados
ao mesmo tempo. Não, Natal não
apenas corre. Ela se escorre como
um rio urbano de asfalto e verde.

E cresce, cresce sempre.
E de sua entrada, portão

de paisagem e monumento,
viaduto e mirante ao mesmo tempo,
recebe os visitantes como quem diz:
“Entre, a casa é sua.”

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Um livro lamentável

A atribuição de caracterícticas humanas a animais tem sido um recurso comum em histórias infantis ou livros didáticos, para divertir ou cumprir propósitos educacionais. Mas um livro lançado nos Estados Unidos está causando polêmica, por apresentar como gays dois pingüins machos que estão cuidando de um filhote.

Veja o que diz o Estadão online a respeito do assunto: "SHILOH, EUA - Um livro ilustrado sobre dois pingüins machos que criam um bebê pingüim teve uma recepção conturbada na cidade de Shiloh, que se preocupa com a disponibilidade do livro a estudantes do Ensino Primário, e com a relutância dos governantes em restringir a acesso à obra. As preocupações são as últimas envolvendo And Tango Makes Three, o livro infantil ilustrado baseado em uma história real de dois pingüins machos - Roy e Silo - do zoológico Central Park, em Nova York, que adotaram um ovo fertilizado e cuidaram do filhote como se fosse deles."

A matéria não traz o nome do autor ou autores do livro. Mas, quem o escreveu, certamente tem por único objetivo provocar polêmica, aproveitando-se de um acontecimento fortuito. A idéia é a de apresentar similaridade entre atitudes de animais e o comportamento humano, como se os animais, à maneira dos seres humanos, também tivessem tendências homossexuais e apresentassem afetividade entre seres do mesmo sexo.

Não questiono a orientação sexual dos humanos, que são livres para experienciar suas existências segundo seu livre arbítrio. Mas buscar atribuir às sociedades animais atitudes típicas dos humanos, socializadas ao longo do tempo e das mutações culturais, é apenas exploração barata, no melhor estilo dos jornais sensacionalistas.

Quem redigiu o livro acionou sem dúvida uma notável sensibilidade para polemizar, ao buscar verossimilhança entre homens e bichos. Há uns quinze anos a TV brasileira - não lembro qual canal, creio que foi a Globo - explorou algo parecido.

Num jardim zoólogico, um casal de macacos ocupava uma ilhazinha, bem próxima a outra, habitada por um macho solitário. Algum repórter mais atento percebeu que a macaca nadava de uma ilhota para a outra e cruzava com o macaco vizinho. Pronto: foi o suficiente para se dizer que a macaca estava "traindo" o "marido" e esse fato foi transformado em acontecimento noticioso, enfatizado ao longo de vários dias.

Não passou de vadiagem jornalística, um jornalismo mesquinho e explorador. A mesma lógica foi utilizada para a confecção do livro, que, como o jornal, é também um meio de comunicação de massa, se bem que com características bem diversas e objetivos diferentes da efemeridade das informações jornalísticas. Mas, em essência, enquando veículos, ambos são, tecnicamente, a mesma coisa.

Trata-se de uma exploração deplorável da inocência infantil. Entendo que seja uma forma de pedofilia sui generis. Espero que essa obra não seja traduzida para o português.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Onde está Twiggy?

A imposição de padrões de beleza às mulheres é algo que não é novo, mas, nos últimos anos, tem se intensificado a um ponto que acontecem coisas como a morte da modelo Carolina Reston Macan, que morreu de anorexia aos 21 anos e 40 quilos. Tinha 1,74 m de altura. E muitas frustrações.

A questão de fundo é a criação no imaginário feminino de que para ser bonita é preciso ser magra a qualquer preço. E, de fundo mesmo, é isso o que move o mundo dos negócios da moda: o preço, o lucro, o dinheiro que as grandes empresas ganham às custas de meninas como essa. Além de não galgar a fama, ela ainda tinha de complementar sua minguada renda distribuindo panfletos que divulgavam uma boate.

A fatuidade, a futilidade, a exposição do lado externo do ser humano como objetivo de vida e essência do existir, formam o elemento-chave que movimenta as grandes empresas de moda e aprisionam em seu cárcere mental não apenas as que buscam aí profissão e sucesso, mas, de alguma maneira, as jovens de um modo geral, que consomem roupas, sapatos e bolsas.

Não houve nada de glamouroso na vida dessa jovem. E, não se engane, toda modelo está condenada ao esquecimento. Alguém aí ainda se lembra de Twiggy? Ou de Veruska? E Capucine, alguém me diz por onde anda?

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Cárcere mental: a pior das prisões

A forma massiva como a publicidade e a propaganda utilizam suas mensagens para literalmente prender a atenção, seduzindo leitores, ouvintes e telespectadores tornou-se, com a sofisticação das tecnologias e da formulação de conteúdos de convencimento, uma forma virtual de prisão.

Coletividades formadas por milhões de pessoas, globalmente, atendem aos chamamentos e incorporam a seus comportamentos atitudes de consumo, seja de idéias ou de produtos. A própria idéia, de alguma forma, é um produto, já que manipulada pela indústria cultural. As campanhas políticas e os padres e pastores midiáticos são a prova disto.

As sociedades humanas, ao longo do tempo, entretanto, sempre conviveram com essa forma de prisão mental. Desde o tempo em que os humanos viviam em hordas, passando pelas Idades Antiga e Média, até hoje, as determinações e crenças sempre ditaram os comportamentos coletivos. Sacerdotes, líderes políticos e militares mobilizavam os povos em torno de suas pregações e convocações, mantendo em hegemonia um determinado status quo.

O grande perigo dos cárceres mentais de hoje, entretanto, é que, com a facilidade e velocidade da comunicação de massa, criou-se uma espécie de território invisível e vasto, quando, através de filmes, internet, TV e jornais, somos todos incluídos nessa fluida comunidade, participando da ordem geral: compre, siga, acredite, busque sua salvação.

E mesmo quando nossos filtros de percepção rejeitam a intenção manipuladora, guiados por valores interiores como moral ou convicções de ordem político-ideológica, aqueles que assim procedem são uma minoria. Desta forma, termina por prevalecer a lei do consumismo e da submissão aos ditames de quem se volta para o lucro; mesmo que às custas do sacrifício e da ilusão imposta a todos os que se curvam à ordem ditada pelas leis de mercado, que disseminam com eficácia falsas necessidades e comportamentos padronizados.

Objetivamente: quem compra aquele celular que até serve para telefonar, é in; quem não acompanha a onda, é out. O pior de tudo é o paradoxo: eu e você somos in. Afinal, é forçoso reconhecer, estamos inseridos na internet... É incrível, mas não é inverdade...