sexta-feira, 16 de junho de 2006

Farinha pouca, meu pirão primeiro...

"Se o mundo é parecido
com o que eu vejo, prefiro
acreditar no mundo do meu jeito."
Renato Russo

O Jornal do Brasil informa que a Câmara dos Deputados será renovada em cerca de 60 por cento. Número bastante expressivo. Seria a colheita que os atuais detentores de mandado terão, após tantos escândalos e omissões de punição aos culpados. É uma forma de mobilização popular, retirando do plenário nomes que em nada contribuíram para com o bem estar social. Na canção "Pra não dizer que não falei de flores", Geraldo Vandré dizia que "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

O povo brasileiro precisa fazer a sua hora, para impedir que hordas de deputados que só têm compromisso com seus próprios interesses, cheguem para ocupar mandatos e se tornarem mandões, ao invés de mandatários por delegação popular. É preciso que estes cheguem atrasados ao encontro com a História e assim percam a hora de ser reinvestidos em novos mandatos. Basta que não se vote neles. Assim perderão o trem da História.

A construção de uma democracia representativa é obra de gerações, é uma construção que nos obriga a um pensar e a um fazer coletivos, a fim de que a República não se transforme numa coisa pública porém privatizada aos apetites daqueles que somente se voltam para legislar em favor de privilegiados.

Não há mais como encarar como natural, procedimentos que somente envergonham a nação e punem cruelmente os desvalidos, os esquecidos, os que sobrevivem de salário mínimo.

As injustiças sociais se consolidam cada vez que um deputado se utiliza do mandato para fechar negócios, obter lucros, levar vantagem. Sempre e quando o mandato vira balcão de negócios, de alguma forma misteriosa e perversa a máquina pública nega atenção àquele filho de pobre que deixa de ser atendido num posto de saúde, ou uma escolinha de periferia se transforma em ponto de encontro para traficantes e outros bandidos.

A cultura da corrupção precisa e deve ser combatida pelos que têm ética e padrões morais comprometidos com a coisa pública. Caso contrário, teremos sempre um país nivelado pela régua curta dos que se regem pelo ditado do "farinha pouca, meu pirão primeiro."

quinta-feira, 15 de junho de 2006

A mulher azul

"Mas eu desconfio que a pessoa livre,
realmente livre, é aquela que
não tem medo do ridículo."
Luíz Fernando Veríssimo


Ela acorda com as manhãs e traz nas mãos ainda o brilho dos sonhos, caminhos percorridos na vastidão desse indizível pensar. E anda em passos de silêncio enquanto o jardim espalha pétalas de brumas.

Ela traz o olhar de sono, mas sorri com leves gestos. E nada impede o seu manso carinho.A mulher azul, delicadamente azul, matiza as manhãs com seu despertar e faz do dia que ainda vai explodir em sol a promessa de que, se houver luta, haverá coragem; e de que, se houver alegria, saberemos conviver com todos os seus gestos e fazer a vida rebrilhar de orvalho.


A mulher azul é feita de marfim. E traz nos olhos caminhos que levam a uma floresta que se perde nos confins dos dias que virão.

terça-feira, 13 de junho de 2006

Nós viemos aqui pra jogar ou pra manquejar?

"Treino é treino,
jogo é jogo."
Didi, o Príncipe Etíope

Como se viu, a frase de Didi é lapidar. O inventor da folha-seca, com simplicidade, demonstrou que, em campo, de nada adiantou quarteto mágico, nem qualquer mirabolância de mídia, para endeusar a Seleção. Na verdade, em lugar da mirabolância com que se buscou colocar os jogadores como seres lieralmente imbatíveis em campo, faltou foi mira na bola, mira no gol.
Os treinos foram treinos. O jogo foi o jogo. E que jogo...
Não houve uma vitória, em seu sentido maior e preciso. Houve, isso sim, alívio. No mais, é registrar, com relação a Ronaldo, a definição dicionarizada: Fenômeno: ser ou objeto com algo de anormal ou extraordinário, classificação atribuída a Ronaldo, camisa 9 da Seleção brasileira, pelo fato de que, somente uma pessoa anormal ou extraordinária, consegue receber todo mês um salário em torno de R$ 12 milhões no Real Madrid, ser escalado para a Copa de 2006 e a única coisa que conseguiu fazer no jogo contra a Croácia foi papel de joão-teimoso, aquele boneco de borracha ou de plástico que cai e levanta, cai e levanta...
Então, é isso mesmo: treino é treino, jogo é jogo. No mais, é tomar cuidado com essas imagens construídas, de pessoas acima do comum, insuperáveis. E se a Seleção é a Pátria de chuteiras, vale lembrar que as de Ronaldo causaram calos. Então, calo por calo, é bom ficar calado e ver a realidade com olhos, digamos, menos emotivos. A não ser que a Pátria queira sair mancando a cada nova partida.

segunda-feira, 12 de junho de 2006

De Seleção, heroísmo e a triste verdade dos meninos nos sinais de trânsito

"A Seleção é a
pátria de chuteiras."
Nelson Rodrigues

O Brasil aguarda com alegria ansiosa e antecipada a entrada em campo da Seleção. Nem de longe se pensa ou se admite um insucesso. Nem de longe se pensa ou se admite que teremos um espetáculo, aqui entendido como encenação. Claro, um jogo de futebol tem algo de encenação, tem um roteiro, um script, ou seja: as regras, com punições e premiações ao longo da partida.

Mas o brasileiro, de um modo geral, supõe, acredita e vê no jogo apenas o seu lado de confronto supostamente patriótico. E em toda batalha há, sempre, a figura mítica do herói, aquele ser elevado à condição de sublime. Aquele que se supera em esforços e decisão de levar adiante a missão, superando limitações físicas, cansaço e temor. O herói luta por uma causa; o jogador atua para atender às expectativas daqueles a quem representa.

Como no caso há uma convergência, que mistura a presença do jogador com a figura do herói, a brisa do Brasil beija e balança as bandeirolas da torcida, em vez do auriverde pendão da nossa terra. Um herói estaria envolto nos objetivos da pátria. O jogador tem um contrato a cumprir e volta-se para atender expectativas e estas se transformam em exigência de gritos de gol.

O desmanche de imagem construída é bem simples de fazer: se, numa guerra, o herói volta derrotado, o povo inteiro lhe rende homenagens, pois sabe que colocou a vida em jogo para defender uma causa. No futebol, falhando o herói, a resposta a seu ato inconcluso será a vaia, sua renegação, quem sabe sua queda.

O futebol, enquanto espetáculo, nada tem de heróico. Na verdade, não há causa alguma a defender. A construção do espetáculo, que inclui e envolve a presença do público, é que nos dá a sensação de que veremos o desfilar olimpiano do lutador emérito. Apenas isso.

As mudanças sofridas pelo espetáculo futebolístico transformaram as partidas, de confrontos esportivos, em acontecimentos de mídia, criteriosamente organizados para render lucros e reinvestimentos. A Seleção, hoje, é um produto da Rede Globo, integra com exclusividade sua grade de programação. A Seleção não é a pátria de chuteiras, mas tão-somente uma grife, uma marca sofisticada e vendida a peso de ouro a grandes anunciantes.

A Seleção é uma imagem em movimento, um conjunto de jogadores caríssimos, intangíveis e pessoalmente invisíveis ao comum dos brasileiros, até mesmo pelo fato de que muitos atuam na Europa. Não há heroísmo em suas atitudes, apenas belas jogadas de craques consumados.

Se a Seleção vencer hoje, se chegar a ser hexa, comemore, vibre, cante, grite gol. Afinal, o futebol é parte da nossa cultura, revolui na cotidianidade do nosso imaginário, sem dúvida nenhuma alegra as nossas vidas. Mas, quando a Copa acabar, olhe para os lados e veja a nossa realidade. Talvez o heroísmo esteja no olhar do menino que joga malabares no próximo sinal de trânsito.


domingo, 11 de junho de 2006

Ave, César!

"Quando se aposentarem, por favor,
não fiquem em casa atrapalhando a família.
Tem que procurar alguma coisa para fazer."
Presidente Luís Inácio Lula da Silva.


O presidente Lula deu ontem, numa espécie de ato falho, uma idéia de como vai tratar pensionistas e aposentados, vale dizer os trabalhadores do Brasil, caso venham a se confirmar os maus presságios de sua reeleição: em Serra, no Espírito Santo, ao inaugurar um gasoduto, disse que a sociedade "precisa compreender" que é necessário um aprofundamento na reforma previdenciária.

Em outras palavras, foi uma ameaça ao povo brasileiro que, ante tais observaões, somente pode vislumbrar duas expectativas: o segundo Governo Lula deverá ampliar o tempo de serviço e de contribuição para a aposentadoria ou deverá haver um aumento nas contribuições, ou até mesmo as duas coisas.

Disse também que frente ao aumento da expectativa de vida das pessoas não há como a previdência continuar funcionando nos moldes atuais. Espere: o presidente quer que as pessoas morram mais depressa? Quer que as pessoas morram mais jovens para o Estado, um Estado Tio Patinhas, amealhe mais dinheiro?

Isso me lembra o trabalho do povo egípcio, que vergava sua vida em honra e glória dos faraós, na construção de seus... túmulos. É, pois as pirâmides nada mais são do que túmulos. E a construção de túmulos valia a vida do povo. Hoje, a construção dos túmulos é a manutenção de um Estado cada vez mais distanciado de suas funções de bem-estar social. Quer dizer, mais desumano, mais cruel, mais despótico em sua fome de impostos e quaisquer outras formas de contribuições arrancadas da sociedade.

Não vejo com bons olhos o que vem por aí. Não percebo em nenhum dos pré-candidatos qualquer indicadivo de que as coisas no Brasil venham a melhorar, tanto por motivos macroeconômicos e sociais, quando pela inserção do País na trama da globalização, cujo ideário é o lucro do capital internacional.

Parece que, ao povo, só resta mesmo continuar a construir pirâmides, enquanto o Estado espera que as pessoas comecem, com isso, a morrer mais cedo. E, como os gladiadores, dizer: "Ave César. Os que vão morrer te saúdam."