sábado, 14 de outubro de 2006

Pedaços da vida, lembranças de Natal

Do meu livro Crônicas para Natal, dois excertos. Dois pedaços de um tempo que vivi como jornalista, trazendo à cena da crônica as coisas de Natal, quando a cidade completava quatro séculos, há seis anos.

A jóia e seu segredo
Jóia de prata, erguida, linda, como um pingo

de elegância no Centro da cidade.

O relógio do Sesc é a caixinha de música do tempo,
tocando uma música que ninguém ouve.


Ninguém ouve, mas entende: uma sinfonia de horas
compassadas, intermináveis horas, futuras e sempre presentes.
Indecisas até o próximo minuto.

Refinada ampulheta, esmerada arquitetura esculpida
em tons de prata, o relógio do Sesc é delicada agulha fiandeira
de dias, informante mudo de que tudo passa.
Quem sabe, esse relógio não seria um cofre delicado,

metal precioso escondendo, dentro, o segredo da eternidade?

Arquitetura bordada de beleza
Casa senhorial, grande edifício de beleza.
Arquitetura elegante, linhas discretas, imponente
simplicidade, o Solar Bela Vista é um sonho bordado pela engenharia clássica.

Suas escadarias são atalhos para se chegar
a um tempo onde as construções eram obras de arte
e os arquitetos esculpiam casas como quem faz um anel de diamante.

Solar Bela vista, salões amplos, onde a arte
descobriu aconchego, seus grandes portais sustentam
cortinas invisíveis. Nobre casa, nobre morada da beleza,
nobre construção feita de grandeza.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Meu caro sobrinho, Bruno...

Bruno,
Seu talento e competência pessoal - que o fizeram em menos de três anos passar de foca desajeitado a conceituado jornalista em Mossoró, apesar da pouca idade - me pedem para comentar o noticiário político local, as coisas, os casos, as cavilações e ademanes da política norte-rio-grandense.

Estou acompanhando, neste canto virtual, as coisas do mundo e da política, enquanto, numa espécie de retiro em minha própria cidade, afastei-me do convívio social, preferindo ver o mundo à distância. O volume de estudos a que tenho me dedicado me impede de participar de encontros, almoços, amenidades.

E, para ser sincero, ando mesmo meio descrente da humanidade. Os fracassos da humanidade acabam sendo os nossos próprios fracassos. Assim, é preferível ver os seres humanos com o óculo da internet. E, preferentemente, o mundo que me fica mais distante, como o da política nacional e as coisas todas, loucas ou belas, insanas ou maravilhosas, que fazem o dia-a-dia do nosso tempo.

Mas estou esperando o desfecho da eleição para governador. Sei que muita coisa saltará da caixa-preta da política, tão-logo seja eleito o governador ou governadora. E aí, sim, teremos muito o que comentar. Sem dúvida, com a colaboração do seu texto, hoje o texto de um repórter afinado com o mais alto diapasão da política. Vamos em frente. Espero suas colaborações.
Emanoel Barreto

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Um homem feito de ninguém

O Bom Dia Brasil cita pesquisa do Dataflha para anunciar: Lula está com 56 por cento das intenções de voto, enquanto Alckmin está com 44, votos válidos. Salvo fato novo contrário a Lula - será que o PT tem ainda algo de podre em seu reino da Dinamarca para prejudicar Lula? - a reeleição segue, em relativa segurança.

A permanecer assim, a situação tenderá a um processo inercial de recuperação de votos por parte de Lula, que teria apenas, pelo efeito-dossiê, retardado o anúncio de sua vitória.

Aos poucos vai se desmanchando a névoa que recobria a figura de Alckmin, de repente guindado à condição de oponente com aparentemente chances de vitória. O candidato em si, em sua essência, jamais teve condições de eleição; não tem biografia para competir com a do presidente Lula.

Ganhou espaços midiáticos que o positivaram frente ao eleitorado em função do dossiê Vedoin. Só isso. E, por isso, o fog da mídia, que nessas horas mais confunde do que explica, permitiu que ele caminhasse pelas ruas do Brasil com a suposta aparência da figura que viria redimir a nação de todas as crateras éticas e criminosas escavadas pelos mais íntimos amigos e seguidores do presidente Lula.

Não veja qualquer incoerência neste texto: quando falo da comparação de biografias, não faça elogio a Lula. Faço justiça. Ele foi, realmente, um grande líder sindical e uma figura que sinalizou ao povo a esperança de um Brasil melhor. Maculou seu passado ao conviver com sequazes ao invés de assessores e ao acobertar asseclas em detrimento de colaboradores. Esse o seu erro, que a história julgará.

Alckmin, ao que sei, foi uma figura apagada e, frente a todos os que se opuseram à ditadura, um homem feito de ninguém. Que eu saiba, é isso. Corrija-me se eu estiver errado.

As pesquisas, desta forma, vão pavimentando a volta de Lula à presidência. Esperemos que não haja novos escândalos e que o presidente efetivamente cumpra o que tinha como compromisso histórico com a nação.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Jornais estão "fulanizando" a campanha

Após o enfrentamento entre Lula e Alckmin, os jornais estão obsessivamente debatendo o debate. Ou seja: não estão acrescentando nada de útil ou importante à agenda das discussões. O momento agora seria de cobrar dos candidatos que, no próximo encontro, tragam a público questões de conteúdo, ao invés de troca de acusações.

Ficar discutindo, em manchetes e textos quem foi melhor ou pior, em nada contribui para o esclarecimento do eleitorado a respeito do voto. Se os jornais passassem a trazer ao espetáculo midiático aspectos programáticos, assuntos de profundidade social, projetos e planos, estariam, sim, dando um passo adiante. Abririam o leque da agenda pública para a inclusão de novas perspectivas na campanha presidencial.

O que hoje ocorre, entretanto, é a fulanização da campanha, fulano versus sicrano, ou, mais claramente, o esvaziamento do plano das idéias em favor do preenchimento da ribalta política.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Os debates agora têm capítulos: viraram uma novela

Troca de acusações, escambo de falta de cidadania. Assim pode ser resumido o debate de ontem entre Lula e Alckmin. O petista, que leu muitas das perguntas feitas ao adversário, relembrou os escândalos dos governos tucanos, enquanto Alckmin, olhando diretamente para as câmeras, parecia mais preparado. Claro, foi programado para dar essa impressão.

Tanto foi preparado, que, em vez de seu comportamento midiático diário, em que aparenta bom-mocismo, dava mais a impressão de um arrojado orador, um tipo combativo e polemista emérito. Nada disso, apenas um, talvez, bom aluno do marqueteiro que o orientou.

Para a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, Alckmin apresentou-se como um "candidato de plástico", tal a impostura do candidato. Quanto a Lula, limitou-se a tergiversar frente às acusações, não respondendo frontalmente a qualquer questionamento. Diga-se de passagem, o mesmo foi feito pelo adversário. Era como se jogassem futebol sem bola.

Li há poucos minutos na versão on line do Estadão uma enquete em que Lula fora visto como vencedor do confronto por 24.79%, enquanto Alckmin obtinha 75.21% da preferência. O jornal não informava o total de votantes. E essa pesquisas pela internet não têm qualquer valor, do ponto de vista técnico.

São mais uma curiosidade. Mas curioso mesmo é que um país chegue ao ponto de ter num palco de TV dois candidatos a presidente da República onde cada um busca o voto popular não pelas suas virtudes, mas pela tentativa de comprovar que é o menos ruim.

Quanto ao espetáculo em si, a Folha disse: "a TV Bandeirantes informou que o debate entre os dois candidatos rendeu 14,2 pontos de audiência, na média apurada pelo instituto Ibope, em sua medição prévia. Nos momentos de pico, a emissora chegou aos 20 pontos, mas não o suficiente para atingir a liderança do horário. A TV Bandeirantes ainda chegou ao segundo lugar, mas somente por alguns minutos e revezando-se com o SBT."

Resumo: o confronto perdeu para o Fantástico, que é programa de TV típico, é espetáculo declarado. Ou seja: o povo ficou mesmo com a fantasia, em vez do pesadelo em que se transformou a eleição presidencial.

De qualquer forma, agora o jogo está aberto. A expectativa é quanto ao próximo confronto. Os debates estão novelizados. Estamos em plena idade mídia na campanha presidencial. Vem aí o próximo debate. The show must go on.

domingo, 8 de outubro de 2006

A cidadania acabrunhada

"O espetáculo não é um conjunto
de imagens, mas uma relação
social entre pessoas, mediada
por imagens."
Guy Debord , no livro "A sociedade do espetáculo"

O debate hoje na Band, entre o presidente Lula e Geraldo Alckmin, se encaixa à perfeição na frase de abertura desta coluna. Tristemente, este país vê seu destino histórico literalmente dependende de um espetáculo televisivo, a ser repetido proximamente pela Globo.

Tristemente, o debate resulta das condições histórico-político-comunicacionais do país, que parece ter se transformado num grande palco, onde políticos encenam uma ópera bufa e o povo paga para ver.

O resultado do primeiro turno foi claríssimo: Lula tinha tudo para ganhar, mas, por incompetência sua e de seus assessores não soube conduzir o clima que lhe era favorável e terminou perdendo terreno para o tucanato. Nisso, é óbvio, teve também o auxílio luxuoso do pandeiro da ala corrupta do PT. A fusão foi fatal para liquidar as pretensões de Lula a uma vitória no primeiro turno.

E Alckmin, que parecia fadado a sofrer uma, como se dizia antigamente, fragorosa derrota, conseguiu dobrar os ânimos petistas e agora mantém algum alento de chegar à presidência da República.

Suspeito que teremos hoje não um debate de idéias, um confronto de visões de mundo, propostas de governo, emissão de compromissos com a socidade.

Os candidatos entrarão na arena da Band como os gladiadores, que não eram heróis, nem guerreiros, mas homens degradados. Não se enfrentavam em batalhas, mas numa carnificina. O que veremos hoje à noite deverá ser um combate, uma troca de acusações. Cada um procurando provar que é bom, reto e justo.

Todos os participantes, desde os candidatos, passando pelos jornalistas, os convidados que estarão no estúdio e especialmente o povo, aqui colocado na condição técnica de telespectador, sabem que ali está em andamento não um debate na essência do termo, mas uma simulação, um simulacro de debate.

Na verdade, estarão se enfrentando dois seres humanos que, desesperadamente, lutam para chegar a um ponto do Poder: a presidência da República. Como ambos são portadores de comportamento político reprovável, cada um buscará apor ao outro todos os defeitos éticos possíveis.

Resumindo: Lula deu total guarida a todos os atos de corrupção de seus seguidores; Alckmin trabalhou firmemente contra a instalação de qualquer CPI que quisesse apurar casos de corrupção em seu governo. Ou seja: é um pelo outro. Ou, como diria o ditado popular: o sujo falando do mal-lavado.

Temo que venha a se tornar um espetáculo deprimente. Será impossível a emissão de um raciócínio mais elaborado, pois o tempo para perguntas e resposta é curtíssimo: perguntas deverão ser feitas em 45 segundos e respostas em dois minutos.

É a ditadura do espetáculo televisivo colaborando para decidir os destinos nacionais. Eu disse "colaborando"? É a ditadura do jogo político, suas sendas escuras, suas retóricas vazias, ajudando a formar o futuro da nação, do seu povo, dos seus pobres. Eu disse "ajudando"?

Sim, quem sabe, ajudando no sentido de Judas; no sentido de traição ao social pelo ganho dos trinta dinheiros do Poder e tudo o que se pode fazer com esse Poder.

A cidadania está acabrunhada. Às oito da noite o Coliseu da Band abre seus espaços. Ave Caesar, morituri te salutant .