quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Caros amigos...

Por motivos de ordem técnica, este blog somente voltará a ser atualizado domingo próximo. Até lá, vejam o debate e cada um pense no que dizem os dois atores políticos em disputa. Domingo, fiquem certos, voltaremos ao batente.
Abraços,
Emanoel Barreto

O Timor está sem leme e não há timoneiros para dar rumo ao barco

Uma das falhas do jornalismo noticioso, aquele centrado no fato momentaneamente relevante, é que não contextualiza o acontecimento noticiado e dá ao leitor uma visão reducionista da situação. Foi assim com o Timor Leste, quando aquele país libertou-se formalmente da Indonésia, em 1999.

A idéia passada pela imprensa em geral foi a de que, retirados os indonésios e empossado Xanana Gusmão na presidência, o povo timorense, pobre porém unido por um sentimento de pertença e identidade nacional, caminharia, mesmo que lentamente, para um patamar melhor do que aquele ocupado quando da presença dos seus exploradores.

Tudo estava em ordem e havendo ordem haveria progresso, dentro da melhor visão positivista da História. Acontece que não foi bem assim. E o jornalismo não se deu conta disso. Não por incompetência. Mas por comprimento das rotinas de trabalho, que dão prioridade total ao novo, ao inusitado, ao conflito que se alastra e se alonga no tempo.

Por este raciocínio, terminou a guerra, acabou-se o interesse. E vamos esquecer o Timor, as coisas por lá estão dentro de uma cotidianidade e como tal os dias serão um igual ao outro.

E é então que encontramos outra falha do jornalismo factual: esquecer um assunto ou tema quando este entra na condição de coisa contínua, perdendo então aquele condição essencial de noticiabilidade, que é o ineditismo e novidade.

Com isso, questões graves como a do Timor, são esquecidas. E o público, imerso e abrangido pela memória jornalística, que rege e expõe o presente da sociedade, também esquece e relega o assunto à condição de coisa passada e acabada.

Redijo tudo isso a propósito de uma matéria que li no JB, falando de que no aeroporto internacional de Dili, a capital do Timor, houve um violento confronto entre gangues e soldados australianos, que comandam a segurança no país. Morreu um civil.

O embate foi tão violento, diz o jornal, que, à falta de outras armas, os agressores, tão obcecados pela luta estavam que, além de armas de fogo, se utilizavam de pedras, arcos e flechas. E o jornalismo, à época da libertação, não alertou ao mundo que o Timor precisava muito mais do que uma libertação formal, uma independência que era mais um grito de alívio ante a saída dos indonésios.

Timor precisava e precisa da ajuda internacional, o que não tem sito propiciado com eficiência. E aparentemente nunca o será, pois o país não tem qualquer importância para potências de alto calibre como os EUA ou Inglaterra.

Não sou tolo para afirmar que jornalismo consegue encaminhar os destinos de um povo. Mas é sua missão tratar dos fatos sob todos os ângulos e em nenhum momento a imprensa emitiu material interpretativo mostrando que a liberdade do Timor poderia e efetivamente se transformou em baderna.

Há muita fome, a economia está em estado desolador e os esforços que ali são feitos por entidades internacionais e voluntários, por si sós não darão conta de solucionar problemas estrututurais e conjunturais muito graves.

Lembrete: o Brasil tem tropas no Haiti, que está em situação idêntica à do Timor. O assunto Haiti está esquecido na mídia nacional. Creio que somente voltará a ser abordado caso morra algum soldado brasileiro em confronto com os bandidos que aterrorizam o sofrido povo da terra do nada saudoso Papa Doc. E então, quando correr sangue brasileiro sob as balas de criminosos, as manchetes virão zunindo. Para logo depois o assunto Brasil no Haiti ser jogado ao porão do esquecimento.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Quando o jornalismo usa a dor como espetáculo

A notícia abaixo foi publicada no Estadão e revela como o jornalismo, enquanto técnica redacional, sucumbe, pela pressa na informação, à indiferença ao drama humano. E assim, limita-se a reportar algum acontecimento pelo ineditismo, estranheza do fato ou peculiaridade sensacionalista, sem levar em conta valores como sensibilizar-se com o drama alheio. Leia:

"SÃO PAULO - Os meninos britânicos Layton e Kaydon Richardson são, de fato, o caso de uma chance em um milhão: segundo médicos, essa é a probabilidade de irmãos gêmeos terem cores de pele diferentes. As crianças nasceram em 23 de julho, mesmo dia em que a mãe, Kerry Richardson, de 27 anos, casou-se.

"Quando nasceram, eram praticamente da mesma cor", disse a mãe ao The Journal, periódico da região de Newcastle, da Inglaterra. "Mas, nos últimos meses, Layton ficou mais loiro, como o pai, e Kaydon, escuro como eu". Kerry tem ancestrais nigerianos. O pai é branco, mas não mantém mais contato com a família."

Percebe-se claramente, pelo texto curto, que o objetivo é unicamente mostrar o inesperado, colocando na última linha que "o pai é branco, mas não mantém mais contato com a família". Existe aí um caso claro de abandono de mulher e filhos à própria sorte, afora o fato de interesse científico.

Em ambos os aspectos a falta de profundidade, a inexistência de interesse humano em torno do assunto fica à mostra. O jornalismo, em nome de trazer informações de fácil compreensão a um público difuso, optou, especialmente nos últimos anos, por desfazer-se de um trabalho textual mais aprofundado, estilisticamente apurado.

Uma ação estilística mais elaborada, além do fator estético redacional, traz na raiz do texto o sentimento de solidariedade do jornalista. Isso é facilmente percebido pelo leitor. Não precisa nem deve ser piegas, mas se o jornal trata de fatos em que o ser humano é literalmente o centro, deve também o repórter mostrar-se humano o suficiente para poder perceber a dor e a situação do outro antes de trazer a público, no texto, a condição humana como espetáculo a ser visto de longe.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Vítimas da lavagem cerebral

Do Forum Nacional de Professores de Jornalismo resgatei este excelente texto do professor Fábio Messa. Segue o "Vítimas da lavagem cerebral".

Olá pessoal,
permitam-me que eu me intrometa, peço licença para adentrar na dicussão.

Minha participação será breve. É que costumo ler e estar a par do que se discute aqui, acompanho bastante as discussões, ainda da arquibancada, mas hoje levanto o braço daqui da arquibancada, só pra dizer acrescentar algo:

Somos professores de cursos de comunicação social, o que pressupõe que tenhamos um olhar um pouco mais aguçado (semiológica e sociologicamente) diante dos fenômenos de massa. Fico pensando se não é um dispêndio desnecessário de energia, ficarmos tomando partido sobre esses 2 atuais personagens mitológicos e midiáticos do momento, que são os dois sujeitos candidatos à presidência.

Pessoal, o que interessa sabermos pontos de vista particulares sobre intenção de voto? O que nos acrescenta termos de ficar de picuinhas, enxertando textos daqui, textos dali, que exaltem uns, destruam outros, numa luta retórica insossa. Será que a gente precisa atachar outros discursos pra fortalecer os nossos? Será que não sabemos ser convincentes por nós mesmos?

O que é isso? Vamos pelo menos nos deslocar alguns metros desses mesmos referentes (vendo de longe), só para ver se conseguimos enxergar que estamos não só assistindo, mas até protagonizando mais um dos tantos fenômenos de massa, que é o que diz respeito às campanhas para eleição. Olhem o efeito catártico que isso tem provocado!! Olhem esse mimetismo todo que esses discursos têm causado!!

Será que não podemos ser um pouquinho mais maduros pra perceber que esse entorpecimento narcótico que os meios fizeram sobre determinados temas, não foi justamente para ficarmos esgotados de tanto ouvir falar neste ou naquele candidato etc??????

Será que é preciso lembrar que estamos com o melhor exemplo de propaganda ideológica (e não cobertura jornalística) dos últimos tempos. Pessoal, é inacreditável que estamos indo pro meio do picadeiro, com todos ao redor na arquibancada assistindo, pra ficar discutindo sobre essas narrativas criadas previsivelmente pelos meios de comunicação...

vamos canalizar nossas energias para, pelo menos, percebermos que essa lavagem cerebral está afetando até as nossas cabeças, doutores, phds etc.

assim, estamos nos confundindo com a mesma massa ignota, que acredita piamente em tudo o que está impresso ou registrado em imagens...

Tá faltando leitura em meio a isso tudo. Vcs me desculpem,mas creio que faltou leitura, muito antes de estarmos nessa condição, isso nos remete a questões básicas talvez nunca compreendidas, ainda em nossa fase de formação.


Vamos reler (ou talvez ler pela primeira vez) muitas da teorias da comunicação de massa como as da bala mágica, da influência seletiva, da presunção coletiva etc. pra ver se não é isso que se está se repetindo...e estamos completamente enquadrados nisso tudo, servindo de ilustração para o senso comum cooptado...

De certa forma, isso tudo me assusta, porque me faz pensar no tipo de bagagem e enfase sobre os conhecimentos que é dada em sala de aula...

É isso, desculpem mais uma vez a intromissão,mas a passionalidade só persuade, não convence.

Um abraço, e faço votos que os ânimos sejam apaziguados
.
Fábio Messa

Debate? Que debate?

O debate repetiu o espetáculo de um confronto cujo único objetivo é manter os dois candidatos na mídia, ao invés de trazer a público questões nacionais de conteúdo.

Cumprindo os papéis que lhes haviam sido administrados pelas suas farmácias magistrais do marketing, Lula e Alckmin agiram segundo o que lhes havia sido determinado pelos respectivos scripts. Não há muito o que comentar.

É triste, mas os candidados apenas cumprem uma espécie de tabela, nesse campeonato onde o grande derrotado são os destinos do País.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Um encontro solenemente vergonhoso

Teremos hoje mais um debate, o penúltimo, entre os presidenciáveis. A rigor, trata-se de uma encenação, um pseudo-acontecimento, um acontecimento midiático, ou seja: traçado e incluído na grade de programação de uma TV, no caso a Record, com o intuito de apresentar aos telespectadores um espetáculo, mesmo que seja o espetáculo da falsa discussão dos destinos nacionais.

O embuste, que conta com a participação por inteiro dos dois candidatos, cumprirá um ritual telejornalístico aliado a uma atitude cênico-teatral: os candidatos tentarão se apresentar segundo um padrão apolíneo. Só que aí a condição apolínea não estará ligada à situação do deus grego da beleza viril e da música: mas ao perfil daquele que representaria a face mais bela da política brasileira.

Como disse em comentário anterior, os debates viraram uma espécie de novela. Este será o penúltimo capítulo. O grand finale, como seria óbvio, caberá à rainha mãe da dramaturgia televisiva da tragédia brasileira, a Rede Globo. Será sexta-feira próxima, em horário ainda indefinido, pelo menos ao instante em que este artigo era escrito.

Creio que nada haverá de novo ou emocionante, já que estamos falando de um espetáculo. Os dois atores estarão representando seus papéis. Alckmin tentanto alckmizar a situação brasileira garantindo que, do seu governo, brotará a pedra filosofal que transformará tudo em ouro e, quem sabe, até mesmo será possível obter o elixir da longa vida - também objetivo dos alquimistas tradicionais, como nos relata a história.

Lula, garantindo que tantos milhões de brasileiros atingiram a condição de pessoas de classe média e as coisas vão continuar melhorando. São ambos atores adestrados e aptos a buscar o voto do povo. Lula leva a vantagem de que pegou, como no no gancho seco e rápido de Popó, o adversário Alckmin em seu ponto fraco, ao alertar que, eleito, este continuará a sanha privatista de FHC.

Pronto. Foi o suficiente para que a maioria dos votantes se bandeasse para o lado do candidato do PT que, por precaução, não usa mais a estrela vermelha do partido, mas outra, em tom verde e amarelo. Por precaução, é melhor não mostrar que ainda mantém convivência partidária íntima com indívíduos de, vejamos, poucos escrúpulos políticos, não é mesmo?

No mais, é esperarmos o espetáculo da noite. Cada um cumprirá seu triste papel de tentar se mostrar ao povo como bom e justo. Na verdade, teremos apenas um confronto solenemente vergonhoso de dois homens que, embusteiros, cúmplices de corruptos, vão dizer ao povo que, cada um sim, é o melhor.

domingo, 22 de outubro de 2006

"O ocaso dos bárbaros"

"A história dos grandes
acontecimentos do mundo não
é mais do que a história dos seus crimes"
Voltaire

O título que uso neste artigo é o mesmo de um velho filme a que, por algum motivo, nunca assisti - apesar de ter sido imensa a vontade. A fita foi exibida ao longo de alguns dias dos anos 1960, no velho e hoje inexistente Cinema Rex, em Natal. Os descaminhos da memória guardam, com carinho alentado, essas recordações de um menino que acreditava haver no mundo lugar para a vitória do Bem. E, na tela do cinema, o Bem sempre vencia.

Mas voltemos ao filme: pelos cartazes que o cinema exibia, mostrando algumas das suas cenas, havia homens recobertos por peles de animais e armados com arcos e flechas. Eram os bárbaros. Seus adversários seriam certamente os romanos, para os quais todos os demais homens eram "bárbaros" pela simples condição de não haver nascido em Roma.

Dá até vontade de continuar nesta divagação, lembrando meus velhos tempos jovens, falar sobre os filmes seriados, onde o Zorro enfrentava inimigos terríveis; e um chinês malévolo, chamado Fu Man Chu, chefiava um grupo de fanáticos - também chineses - com o objetivo de... nem-mesmo-sei-o-quê... - mas era algo como dominar o mundo, controlar as pessoas, essas coisas...

Mas o que quero mesmo, ao falar de império, é fazer referência ao magnífico texto do jornalista Mauro Santayana, "O manual do declínio", publicado pelo jornal do Brasil, na coluna Coisas da Política.

Ali, com seu estilo primoroso, precioso para quem sabe sorver o prazer de um grande texto, Mauro Santayana analisa, dentro do limitadíssimo espaço de uma coluna de jornal, as condições atuais do império norte-americano e os indícios de que suas estruturas começam a estalar.

Citando autores consagrados, lembra que, como os seres vivos, os impérios também têm um nascimento, crescimento e morte. Concordo com ele quando sugere que um império dá mostras de estafa histórica ao ficar sob o comando de um usurpador.

E cita que Bush, como usurpador, somente chegou à presidência por manobras da Suprema Corte, que não levou em conta comprovações de fraude a seu favor, na contagem de votos. E o que se seguiu a isso foi a formação de uma equipe agressiva e rapinante, que levou os EUA, como no Vietnã, a cair num lodaçal enorme: a invasão do Iraque.

E de lá terão dificuldade para sair: a retirada em massa das tropas significará capitulação, desonra e angústia para um povo que já foi desmoralizado pelos vietnamitas; e a saída, mesmo que aos poucos, também representará uma derrota. Uma derrota homeopática, mas uma derrota.

Os americanos esperavam encontrar nos iraquianos um povo de covardes, mas viram-se frente à frente com uma desesperada, fanática e férrea resistência, da qual não conseguirão se desvencilhar a não ser pela debandada. Mas fugir, às vezes, é difícil, é muito difícil; disso não se tenha dúvida. No caso dos EUA, até para ser covarde, vai dar muito trabalho.

Santayana fala também nos milhares de soldados e mercenários americanos mortos e no luto das famílias. E iria mais longe, se mais longas fossem as páginas dos jornais, tratando, com refinada competência, dos desastres da barbárie americana.

Observa também da questão sob o prisma da condição humana, lembrando que poucos são os que conseguem subir e ter a honra de morrer na plenitude de seus louros. E mais: é preciso saber subir, ter dignidade e humildade, uma vez que a descida à planície é o caminho no qual você encontrará com aqueles a quem porventura destratou, esqueceu ou descartou. E por ter feito isso,não terá mãos a apoiá-lo quando seus pés trôpegos estiverem buscando o caminho da descida e do fim.

Vale a pena ler essas coisas de jornal, quando bem escritas e tocadas pela sensibilidade às vezes pungente de um grande artista do texto, um spalla da palavra impressa, como Mauro Santayana. Ele conduz seu texto como Tárrega conduzia os acordes de sua guitarra gitana.

Tive a oportunidade de conhecê-lo e chamei-o respeitosamente de "Professor". Ele me respondeu: "Não me chame de professor. Não tenho títulos. Não tenho sequer o segundo ano primário..."
É realmente um grande Professor.
Emanoel Barreto