sábado, 9 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

Cidade mulher

Natal mulher. Descobridora de pétalas,

filha do sol, amiga da beleza,
desenho íntimo do instante feminino.

Grávida de paz, mãe de todas

as belezas, teus olhos
cultivam a alma da vida.

Cidade de espumas.

Artesã de teias invisíveis.
Menina linda. Que se atira, doce,
aos caminhos da beleza.

E que dorme, bela,

no silêncio do mar
profundo e manso.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Precisamos de um tapete mágico

Um sargento cujo nome é mantido em sigilo, confessou, chorando, ser o responsável pelo apagão dos aeroportos brasileiros. Ele trocou, por incapacidade profissional, os comandos que acionariam um sistema de rádio suplementar, que substituiria o sistema principal, que apresentava problemas.

Aí está a situação do controle de tráfego aéreo brasileiro. Entregue a gente desqualificada e o que é pior: eticamente incapacitada para o exercício de uma atividade tão importante. Explico: segundo o Estadão, ao perceber o erro, pois tudo imediatamente parou de funcionar, o militar retirou-se sorrateiramente. Somente depois que o pânico instalou-se, e mesmo assim muito tempo depois, ele confessou a falha e a fuga.

Resumo: e apesar de tudo,não se percebe uma ação enérgica do governo federal, através de suas instâncias competentes para o setor,na solução do problema. É inadmissível que num país como o nosso, com o volume de tráfego aéreo que apresentamos, tal situação se mantenha.

A categoria dos controladores de vôo precisa ser qualificada, treinada, inclusive em termos salariais, e ter um plano de carreira. Essas falhas que agora explodem são o resultado de anos e anos de ocultamento; mantinha-se uma situação caótica em seu limite máximo, até que aconteceu o acidente envolvendo o Legacy e um avião de carreira. E tudo veio abaixo.

Não se vê ação ou solução a curto prazo. Enquanto isso, podemos pensar: como seria bom ter um tapete voador. Ele seria como um bichinho mágico e amestrado. Voaríamos em paz e todas as nossas viagens seriam um sonho.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Crônicas para Natal

O vigilante do Atlântico

Ele é uma espécie de guardião

dos mares, vigia perpétuo da noite,
protetor de náufragos tardios.

O Farol de Mãe Luíza
ergue-se como um porta

de salvação aos navios
que cruzam a noite
marinha e solitária.

Suas escadas são o

passo a passo de quem
segue a rota das ondas e
sabe que, no rebrilhar de
suas luzes, talvez esteja
o último alento dos navegantes
em meio à tempestade.

Farol de Mãe Luíza: vigilante

do Atlântico, amigo dos
que viajam no silêncio do mar.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

A maldição de Ícaro

Às vezes penso que Ícaro, depois de haver derretido suas asas na tentativa de voar, agora está se vingando e escolheu o Brasil para fazer valer seus ressentimentos.

Maldição de Ícaro ou o que seja, o problema dos congestionamentos dos aeroportos por falha do sistema nacional de radares que rastreia o setor, dá bem um demonstrativo de como é frágil, insegura, incompetente e imprevidente a administração pública deste país.

Se, ao invés do problema da aviação estivéssemos enfrentando um estado de guerra ou algo talvez até mais terrível, como a gripe aviária, estaríamos literalmente entregues ao caos. Haveria, como nos relatos bíblicos, choro e ranger de dentes. O Brasil já está socialmente sucateado; não suporta - nem merece - mais nenhuma avaria.

Mas as autoridades, de cima a baixo, continuam a se pautar pela cultura da imprudência, porque são imprudentes; pela ação do ócio, porque são desatentas; pela presença da ausência, porque estão pensando em seu futuro.

No mais, é o seguinte: quando o caos se instalar, quando alguma praga social se abater sobre o povo, estejamos certos: haverá choro e ranger de dentes.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Uma esmolinha pelo amor de Deus...

O jornalista trabalha em contato direto com a vida, seus descaminhos, encantos, desencantos, tramas, grandezas e abismos. Assim, muitas vezes pode acontecer o que nas redações é chamado de "jornalismo participativo", ou seja, o repórter encarna uma espécie de personagem e vai, assim transmutado, experienciar, por exemplo, como vive o pedinte, alguém que está numa fila do INSS, o sofredor que é massacrado numa fila do SUS.

Li no Estadão online que uma repórter vivenciou o papel de uma mendiga esmolou durante cerca de três horas, num movimentado ponto de cruzamento de duas avenidas em São Paulo.

Somente que há um problema: cabe ao jornalista que se apresenta para tal empreitada talento para redigir, qualidade de texto, capacidade de efetivamente incorporar o personagem e passar, via texto, as perplexidades, emoções, vilezas, truques e grandezas do ser humano, do tipo humano que representou.

E isso faltou à jornalista do Estadão. O trabalho poderia ter resultado numa bela crônica, numa dolorida visão daquele mundo paralelo. Mas, não. O jornalismo vem cultivando com grande afinco, nos últimos dez anos especialmente, o refinamento da burocracia do texto, vale dizer: a exacerbação da mediocridade, o relato seco e bruto, despido de criatividade e empatia maior, que não seja o da informação pura e simples.

Até como relato a matéria é pobre, de tão curta que é. Os jornais se arrogam o direito de pensar o que o leitor deseja e fazem reformas gráfico-editoriais, expulsando de suas páginas textos elegantes, refinados, capazes de informar e cumprir com uma das funções da linguagem, que é manifestar-se segundo uma estética.

É claro que jornalismo não é poema, nem poderia ser, uma vez que trata de contar a vida cotidiana. Mas isso poderia, em determinados tipos de assuntos, ser tratado com maior rigor. Ganha o leitor em informação num texto de qualidade e profundidade e ganha o jornalismo ao cumprir com sua proposta de acompanhar o homem em sua louca e desequilibradamente bela aventura de estar vivo.