sábado, 12 de maio de 2007

O Poder como vício

Além da corrupção, é claro, outro aspecto negativo dos pólíticos brasileiros que mais me chamam a atenção é a necessidade de manterem-se em algum cargo público. É uma espécie de vício do poder, uma ansiedade visceral, orgânica, por algum cargo, onde, de alguma forma, possam manipular os cordéis da vida pública.

Você vê alguém que, por exemplo, já foi deputado ou senador por um ou alguns mandatos, de repente não ser reeleito. A partir disso, passa a lutar de forma quase enlouquecida por um cargo, um posição, um comando, até mesmo em entidades com as quais não tem qualquer identificação ou apresenta qualificação para assumir.

O político brasileiro, ao que parece, não tem sua atividade como o cumprimento de um dever, uma resposta proativa ao mandato que lhe foi conferido pelo voto. Antes, vê na política um meio de vida, um esquema de ação com o qual poderá alçar-se a vôos mais altos, conjugando mandato e mandonismo, mandato e ligações perigosas com corruptos e corruptores.

Quando falo político brasileiro, entenda-se cultura política brasileira, esse meio ambiente imponderável, invisível, mas forte, onde muitos seres éticamente despreparados vicejam e cultivam seus vícios mais ocultos, lucrativos e sujos. Trata-se de um ambiente onde as facilitações são grandes e a elasticidade moral permite contatos os mais deploráveis.

Assim, quem perde o cargo precisa tornar-se uma carga, assumir um lugar sobre o peso morto da nação e assim, qual parasita, nutrir-se um pouco mais da seiva produzida pelos que trabalham. Ficam em cargos de primeiro, segundo e até terceiro escalão, como um predador à espreita: acumulam forças, esperando, um dia, voltar ao plenário, cenário perfeito para suas encenações. Oremos.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Foi tudo para o inferno

Ante a omissão do jornalismo brasileiro, especialmente por parte dos jornais nacionais de referência, impressos ou televisivos, cometeu-se um grave atentado à liberdade de expressão: a proibição de venda e recolhimento de livros contando a biografia não-autorizada de Roberto Carlos.

O autor, professor e jornalista Paulo César de Araújo, 45 anos, foi literalmente compelido a aceitar um acordo em que, para não ir à falência, permitu a recolha e destruição dos livros.

O fato foi noticiado em matérias esparsas, ganhou alguma notoriedade, mas ao noticiário faltou algo essencial para que um assunto entre na agenda pública e provoque rumor social: ênfase. Não houve ênfase, não houve insistência temática, não houve pressão, perplexidade ante a ofensa ao direito de expressão, resultando em derrota do autor.

Entendo que o tema em si não é dos mais relevantes: saber ou não de detalhes da intimidade da vida de um cantor não é, efetivamente, algo de importância, salvo em revistas de fofocas ou programinhas televisivos que se arrastam ao longo das tardes.

Mas um valor mais alto se alevantava e esse não foi percebido: exatamente a questão da liberdade de falar, de manifestar-se, a liberdade de expressão. Abre-se com isso um precedente perigoso: quando algum tema importante vier a ser coibido em processo judicial, poderá, em essência, ser comparado ao livro biográfico de Roberto Carlos.

E assim, por inversão de valores, por analogia, a liberdade de expressão poderá sofrer algum revés sério e, aí sim, profundamente preocupante. No mais, é o seguinte: Roberto Carlos quis, e mandou tudo para o infermo.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Dinheiro para os políticos

Enquanto o Papa visita o Brasil com suas costumeiras pregações, deputados, senadores e o presidente da República se preparam para um aumento de 29,81 por cento em suas remunerações. Alega-se que é reposição de perda do seu poder aquisitivo, que nos últimos quatro anos não teve reajuste.

Os salários passaram a ser os seguintes: deputados e senadores - de R$ 12.847,20 para R$ 16.512,09; presidente da República - de R$ 8.885,48 para R$ 11.420,21; vice-presidente e ministros de Estado - de R$ 8.362,00 para R$ 10.748,43.

A isso juntam-se vantagens de todo tipo: ajudas de custo, passagens de avião, pagamento de aluguel de casas, dinheiro para contratar funcionários, despesas com gasolina, pagamento de contas de telefones fixos e celulares... A lista é enorme, sem incluir propinas e desvios de verbas públicas.

Enquanto isso, o povo sofre nas filas e se dobra ao peso de um cotidiano amargo e seco.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Não precisava ser assim

Às vezes me pego a pensar sobre a condição humana, nossa queda, desvãos e equívocos. Especialmente quando vejo casos como o do ex-jogador Maradona, homem rico, talentoso em sua área de atividade, amado pelos argentinos e... devastado pelo vício em drogas.

Personalidade midiática, carismático, atrai sobre si as atenções mundiais, que se reúnem num misto de perplexidade, compaixão e ansiedade provocada pelos jornais, quanto ao desfecho de cada tragédia publicada.

Os jornais informam que, ontem, ele declarou: "Estou vivo e quero viver", a propósito de um boato que o dava como morto. E prometia buscar os responsáveis pelo surgimento da informação. Jamais encontrará. Boatos são uma manifestaão comunicacional de autoria coletiva, surgem em meio a troca de informações desencontradas e tornam-se como que algo de domínio público.

E, a reboque de seus dramas íntimos, com o vício farejando seus próximos passos, o ex-craque segue, não tenha dúvida, descendo rumo ao fim; num declínio triste, que, para ele, não precisava ser assim.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A tragédia que já aconteceu

A semana começa com as notícias da vitória do Flamengo, a morte de Enéas, a elevação de um conservador à presidência da França, quebra-quebra em São Paulo durante um grande evento cultural, o encontro dos destroços do avião desaparecido na África.
Selecionei esses acontecimentos jornalísticos, assim como poderia ter selecionado outros. Em todos, um elemento comum: a tensão que necessariamente deve recair sobre um fato, para que ganhe status de noticiabilidade.
É claro que há publicações especializadas em amenidades, voltadas para o lado bom da vida: revistas sobre turismo, revistas para mulheres, revistas de fofocas, revistas para o público masculino. Aí, aplica-se a tensão alterando-se semanticamente suas possibilidades, voltando-se seu sentido quanto à possibilidade de o conteúdo atender às expectativas de deleite.
Em ambos os casos um terceiro fator segue de longe a vida: a curiosidade humana para saber de fatos novos, o que se deu, o que se passou, o que se poderá desnudar.
Mas o jornalismo não pode guiar-se unicamente para atender curiosidades, morbidez pelo cotidiano sangrento ou voyeurismo pelas delícias das amenidades. Sua finalidade tem necessariamente que tomar por norte uma compreensão cidadã e respeitosa pela vida, trazer a informação que permita a tomada de decisões e apresentar a opinião honesta.
É preciso dedicação como quem serve a uma causa, ou estaremos todos servindo ao mundo um prato frio: a repetição, por outros fatos, de toda a tragédia que sempre já aconteceu.