sábado, 16 de maio de 2009

Com meu filho? Com meu filho, não!
Emanoel Barreto

Sob o título "Brasileiro desiste, sim", o jornalista Clóvis Rossi publicou artigo na Folha, que vai, parcialmente, transcrito abaixo:

Lembra-se daquela história de que "brasileiro não desiste nunca", muito usada na propaganda do governo? Pois não é que um dos garotos propaganda da história desistiu do Brasil? Chama-se Ronaldo Nazário de Lima, mais conhecido como Ronaldo Fenômeno, e confessou ontem, durante a sabatina Folha, que prefere educar os filhos na Europa.

Por dois motivos básicos: segurança e educação. Ronaldo contou que, quando seu filho vem ao Brasil e se junta a garotos brasileiros da mesma faixa etária, é impressionante a quantidade de palavrões que dizem os amigos do filho. Já Ronald é "doce", "europeu", diz o pai. Na prática, quer dizer o seguinte: a educação que recebe na Espanha, onde vive com a mãe, o torna mais civilizado que seus companheiros no Brasil. Quando observei que a comparação parecia racista, o jogador devolveu: é apenas realista. Fechou com uma frase irrespondível: "A gente tem que pensar nos filhos".
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E aí? As palavras do jogador, que não levam em consideração, claro, aspectos históricos que resultaram no que o Brasil é, revelam, de alguma maneira, o pessimismo nos abate. Digo nós, porque somos um povo com baixa auto-estima. Sempre o que vem "de fora" vemos como melhor que o nosso. Qualidade? Basta olhar as frutas que os supermercados vendem: lá fora, seriam comida para porcos, se fossen.

Temos o que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata", como se fôssemos um povo de segunda. O problema é nos transformamos num povo dionisíaco demais, hedonista demais, folgazão demais, deixando de lado, ou pelo menos para depois, questões estruturais e conjunturais graves. Temos um índice altíssimo de corrupção. Nosso congresso, às vezes creio que melhor seria chamá-lo de bando ou quadrilha. E formar bando ou quadrilha é crime. É o que os americanos chamam de conspiracy: conspiração. Temos um congresso conspirador e corruto.

Não dou razão a Ronaldo. Ele próprio um bacante. Vocês sabem ao que me refiro... Acho que os problemas históricos do Brasil podem e devem ser resolvidos. Não podemos sucumbir às nossas próprias desgraças, mesmo que elas pareçam fazer parte da nossa genética social. Precisamos banir, isso sim, da vida pública, os carrascos imorais e crueis das elites que colonizam este país, ideológica e economicamente.

Mas isso é processo longo, penoso e estafante. Precisamos reduzir nosso carnavalismo e descobrir que, mesmo sendo bom um grande porre de alegria, festa e mulatas bonitas, há algo mais na vida: trabalho e seriedade. Mais que isso, honradez deveria ser o nosso lema.

sexta-feira, 15 de maio de 2009


A estrela sobe
Emanoel Barreto

"Susan Boyle, a desempregada escocesa de 48 anos se tornou hit da internet graças à sua voz." A técnica de redação jornalística permite esses pequenos milagres: produzir a biografia de uma pessoa em apenas 17 palavras. O texto curtíssimo permite, de forma alusiva, que o leitor de alguma maneira trace suposições quanto ao passado de Susan, suas dificuldades, sofrimentos até; quando afinal brilhou o sol da internet no You Tube e a fez uma super-estrela de futuro reluzente.

Dois aspectos: o valor intrínseco e não reconhecido da cantora e os mecanismos de mídia que permitem a alguém, em questão de dias, tornar-se mundialmente conhecido. Para o bem ou para o mal.
Susan revelou-se num programa de calouros. Hoje, assediada pela imprensa, é tida como uma espécie de divindade da fama.

É assim que se passam as coisas de jornal: alguém chega ao pódio da fama seja pelos próprios jornais ou outros meios, como Susan em seu programa de calouros e os jornais, depois de construir o mito, sobre ele se remetem, como se não percebessem que fora coisa criada por eles mesmos. Forma-se uma espiral de sucesso.

Que Susan brilhe e encante o mundo. Mas, que fique registrado, o contrário, com outra ou outras pessoas poderia acontecer e serem elas levadas ao mais miserável ostracismo, como aconteceu no Brasil, com os donos da Escola Base. Acusados injustamente de abusos sexuais a crianças.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Divulgação/Fotomontagem Folha Online
Os Velhos Olhos Azuis
Emanoel Barreto

O cineasta americano Martin Scorsese dirigirá o filme "Sinatra", que contará a vida e a carreira do artista americano, informou a versão on-line da revista "Variety" nesta quarta-feira.

Os estúdios Universal Pictures e Mandalay Pictures produzirão o filme, que terá roteiro de Phil Alden Robinson e levou anos entre a elaboração do projeto e a liberação dos direitos autorais do cantor, administrados pela Frank Sinatra Enterprises.

Frank Sinatra (acima, em diversas fotos) ganhará biografia no cinema pelas mãos de Martin Scorsese Sinatra (1915-1998) foi um dos maiores ícones da indústria do entretenimento do século 20, fazendo enorme sucesso como cantor (foi vencedor de 11 prêmios Grammy) e ator (vencedor do Oscar em 1954 por sua atuação em "A um Passo da Eternidade".

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O texto acima é da France Presse, publicado na Folha, e uma coisa chamou-me a atenção: o fato de apontar Sinatra como integrante da "indústria do entretenimento". Discordo. Um cantor da estatura d'Os Velhos Olhos Azuis está acima disso. Suas canções, pelo peso cultural que representam, tocam mais fundo que algo como as músicas, por exemplo, de Madonna, uma velha, mas velha mesmo, aproveitadora do marketing.

Entendo que a música, a grande música, aquela de bom gosto, refinada, que nos traz sensações e evocam sentimentos mais intensos de percepção da vida, não devem ser vistas apenas como "entretenimento". Chico Buarque é entretenimento? Creio que não. Mas, vamos esperar o filme e ver o que ele nos conta.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Isso é incrível!
Emanoel Barreto

Veja o que diz a Folha: O filme "Divã" ultrapassou neste fim de semana a marca de 1 milhão de espectadores nos cinemas brasileiros.
Segundo o Filme B, a comédia foi vista por 1.085.456 de pessoas, sendo que neste fim de semana, ela atraiu 150 mil espectadores ao cinema. O longa, dirigido por José Alvarenga Jr., é protagonizado por Lília Cabral, no papel de uma mulher de meia-idade que se separa do marido (José Mayer) e acaba se envolvendo com dois homens mais jovens (interpretador po Reynaldo Gianecchini e Cauã Reymond).

O filme ficou em terceiro lugar nas bilheterias nacionais, com R$ 1,2 milhão. Na sua frente, ficaram os blockbusters "X-Men Origens: Wolverine" (com R$ 4,6 milhões) e "Star Trek" (R$ 1,4 milhão).

...... A notícia exultante da Folha informa algo realmente muito bom: um filme nacional com grande bilheteria. Mas traz outro aspecto, esse não tão bom: o fato de que a colonização cultural vinda dos Estados Unidos predomina sobre esse tipo de obra de arte. Tanto, que o jornal comemora, ao anunciar o sucesso de público.

Somos um país de grandes artistas, diretores e pessoal técnico. Na música, nas letras, no teatro, no cinema. Mas, apesar disso, o predomínio americano é tão forte que produções nacionais cinematográficas são poucas, não há investidores.
Trata-se de algo preocupante. Nós não nos representamos nas telas, não há Brasil nas salas de cinema. A paisagem, o mundo cinematográfico que vemos vem dos Estados Unidos. E isso tem grande capacidade de impregnar o imaginário coletivo, provocando um efeito de descolamento frente à nossa realidade.

Já notou que, nos comerciais, a paisagem urbana é feita em locações que relembram a arquitetura americana? Preste atenção e verá que tenho razão. E isso em função de que vemos tantos filmes de Hollywood, que essa paisagem já se entranhou em nossa cultura visual.

Os publicitários perceberam isso. E se utilizam desse estratagema para ampliar o efeito de verdade dos comerciais para vender carros, por exemplo. Espero que "Divã" continue a ter sucesso. E que o cinema brasileiro consiga ter o reconhecimento que merece.

domingo, 10 de maio de 2009


A morte do guerreiro
Emanoel Barreto

Morreu hoje, sem que houvesse aviso fúnebre, o semanário O Poti. Em seu lugar, a marca Diário de Natal. Na verdade, o Poti era o mesmo Diário, só que com outro nome, já que não mudava a diagramação nem apresentava matérias em profundidade, que marcam um semanário.

Mas a marca, o nome-de-jornal O Poti nos levava às nossas tradições mais profundas, ao apego telúrico, lembranças de um tempo arcaico e heróico. O tempo em que o guerreiro Felipe Camarão, o Poti, ao lado da mulher e heroína Clara Camarão dava combate aos holandeses.

Acho que não se brinca assim com os símbolos que fazem parte da vida de um povo. Jornais, de alguma forma, mesmo com a redução de leitores do jornal impresso, fazem parte da vida de uma cidade, são seu reflexo. E, mesmo tendo conteúdo ideológico conservador não-declarado, escondem, lá no fundo, a alma da sociedade sobre a qual se remetem.

Lamento pela morte d'OPoti. Era a leitura preferida do Meu Pai e eu o acompanhei. Trabalhei no Diário e fiz muitas matérias para O Poti. Isso faz parte dos meus afetos jornalísticos. Foi n'O Poti que publiquei texto de página inteira, dia 13 de outubro de 1981, em matéria magistralmente editada por Vicente Serejo e Enéas Peixoto, diagramador imbatível.

A matéria era uma carta ao papa João de Deus, intitulada "Beatíssimo Papa". O sacerdote estava em visita a Natal. Ali eu fazia um resumo da história da cidade e sua tradição católica. Falava do povo, sua fé cristã e, lá para as tantas, me referia também à beleza e sensualidade da mulheres. E lembrava que, belas como eram, não deveriam ser recriminadas em sua candura faiscante nas praias. Pois eram, em razão mesmo de tal beleza, expressão viva de Eva. E, portanto, filhas também de Deus, que as havia criado a todas, seminuas e lindas.

Por motivo dessa carta recebi do Vaticano carta assinada pelo monsenhor C. Seppe, assessor direto de João de Deus. Ali, agradecia e enviava bênção do Papa para mim e minha família.

Hoje, com O Poti morto, e o Diário reduzido a condição de tablóide, somente tenho a lamentar. Não gostei da feição gráfica. A tipagem escolhida para os textos não é a mais apropriada. A letra dá ao jornal uma feição chapada e dificulta a leitura. Faltam as colunas, falta a cara de Natal.
Lamento, lamento muito. Mas, consumatum est.