sexta-feira, 5 de junho de 2009

Espelho, espelho meu...
Emanoel Barreto

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu, dizia Chico Buarque.

Se estás no cansaço assentado.
Se te para o coração um só instante.

E se o blog é espelho de repente.
E te olhas no espelho e te vês.

Ainda terias coragem, como a Bruxa,
De dizer "espelho, espelho meu?"


quinta-feira, 4 de junho de 2009

A esmola de um pão no sinal de trânsito
Emanoel Barreto

O noticiário internacional das coisas de jornal relembra os 20 anos do massacre na Praça da Paz Celestiam, Pequim. O flagrante, de autoria de Jeff Widener, repórter fotográfico da Associated Press, registra o momento em que um jovem colocou-se à frente dos tanques e impediu o seu avanço. É um dos registros jornalísticos mais fortes, dramáticos e pulsantes. Metáfora perfeita da democracia como ideal ético, em oposição à brutalidade de uma ditadura. A fragilidade humana enfrentando o descomunal poderio de um sistema de poder alucinado por suas próprias pregações.



O homem jamais foi identificado. Lembro-me bem do episódio, divulgado mundialmente pela TV. Aquele homem, minúsculo, detendo, com sua determinação, o avanço de uma máquina dirigida por uma mente de psicopata. Quando o tanque era manobrado para a esquerda, tentando passar, ele seguia na mesma direção. Virando-se em sentido contrário, o ativista fazia o mesmo.

Percebia-se algo inusitado: a fera de ferro sendo dobrada pela força de vontade de alguém desarmado, mas dotado de coragem incomum. Sem dúvida, movido por algo a que chamamos dignidade, desprendimento, arrojo. Não digo martírio porque entendo o mártir como alguém que se deixa abater. No fundo, há algo de covardia no martírio passivo.

No caso, se foi martírio, foi o martírio do forte. Valeu como um grito. Mais que isso, um brado, resistência. Jamais se deve compactuar com ditaduras. Nem mesmo com a ditadura do neoliberalismo que, sob o manto do seu discurso falsamente democrático, nos tem a todos presos em sua realidade tentacular e sufocante. Há democracia quando alguém esmola um pão em sinal de trânsito? Não, é a minha resposta. Não, deve ser a sua resposta também. Posso contar com isso?


quarta-feira, 3 de junho de 2009

Contando as histórias do mundo
Emanoel Barreto

Não são poucas as obras jornalísticas de cunho acadêmico que contêm a seguinte afirmativa: fazer jornal é contar histórias. Por muito tempo discordei de tal ponto de vista. Afinal, em nossos textos faltam a condição essencial a uma história, entendia eu. Ou seja: começo, meio e fim. No cotidiano, produzimos notícias que são fragmentos do real. Vivemos, no jornalismo, uma espécie de presente contínuo, uma realidade sempre em construção. E assim, quando a trazemos para a página impressa jamais colocamos "fim", ao término de um notícia, como o faríamos, por exemplo, à conclusão de um romance, conto ou novela.

Todavia, refletindo sobre a realidade sobre a qual o jornal se remete, especialmente sobre grandes tragédias como a do avião da Air France, o 11 de setembro, ataques terroristas outros e acontecimentos como o desabamento de parte das obras do Metrô em São Paulo e o acidente com o avião da TAM, ambos em 2007, comecei a achar que jornalismo é mesmo contar histórias. Pelo menos parcialmente.

Histórias que brotam desse presente contínuo e sinuoso; histórias que muitas vezes metem medo, pois são reais. E podem, de um momento para o outro, nos tornar, a mim e a você, personagens de dramas dos quais não gostaríamos de participar. Histórias terríveis e tristes. Histórias que estão prontas para nos abocanhar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Viver é perigoso
Emanoel Barreto

Advogado Carlos Eduardo Macário de Melo e médica Bianca Machado Cotta. Recém-casados, viajavam a Paris no voo da Air France, para a lua de mel. Em si trágico, o acontecimento traz aspectos como esse: a juventude ceifada em momento especial da vida. A condição humana, sabemos disso na cotidianidade, tem continuamente um dado de perigo, um alerta que sempre nos diz: viver é perigoso.



segunda-feira, 1 de junho de 2009

Nossa ilusão entra em campo num estádio vazio
Emanoel Barreto

A começar do fato de que o Brasil não deveria sediar a Copa de 2014, pois temos problemas estruturais e conjunturais de monta, e nestes deveríamos aplicar os recursos
que serão desperdiçados com cimento na construção de estádios, há um aspecto também grave a salientar: a invasão do público pelo privado em benefício daquele.
Explico: a ação da Fifa, que deverá ganhar milhões com a realização do campeonato, significa um notório poder de interferência da iniciativa privada internacional sobre a administração brasileira.
A Fifa agiu como se estivesse "beneficiando" o povo brasileiro, quando, na realidade, estará explorando esse mesmo povo, após haver curvado o governo federal aos seus ditames, impondo condições e exigindo da massa populacional brasileira o pagamento de um tributo maligno, que somente atenderá aos interesses do grande capital que atua no futebol.
O processo de globalização, que tem na comunicação um dos seus pilares, verteu essa Copa numa espécie de miragem alegre, que transformará para sempre, e para melhor, a vida do brasileiro. Bobagem.
O estádio a ser construído em Natal é a prova disso. Espere para ver. Passada a Copa, temo que se transforme num elefante-branco, açoitado pelo tempo, de manutenção caríssima e, a rigor, uma inutilidade. Vale a norma romana: dai ao povo pão e circo.