sábado, 8 de maio de 2010

 http://www.astormentas.com/florbela.htm
Lendo Florbela Espanca
Emanoel Barreto

A poesia estranha e bela de Florbela é êxtase, passagem, porta aberta, céu intenso, nuvem que nunca se esvai. Golpe de florete, elegante cinzel leve e preciso. Dela os poemas abaixo.

Languidez

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,



Que poisam sobre duas violetas,


Asas leves cansadas de voar...


 
E a minha boca tem uns beijos mudos...


E as minhas mãos, uns pálidos veludos,


Traçam gestos de sonho pelo ar...

Os versos que te fiz


Deixe dizer-te os lindos versos raros


Que a minha boca tem pra te dizer !


São talhados em mármore de Paros


Cinzelados por mim pra te oferecer.



Tem dolencia de veludo caros,


São como sedas pálidas a arder...


Deixa dizer-te os lindos versos raros


Que foram feitos pra te endoidecer !



Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...


Que a boca da mulher é sempre linda


Se dentro guarda um verso que não diz !



Amo-te tanto ! E nunca te beijei...


E nesse beijo, Amor, que eu te não dei


Guardo os versos mais lindos que te fiz.




Beija-mas bem!... Que fantasia louca


Guardar assim, fechados, nestas mãos,


Os beijos que sonhei pra minha boca!...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

 http://ourspiritwillliveon.files.wordpress.com/2009/02/utopia.jpg
Transcrevo texto do grande Mauro Santaya.(EB)
Dialética da utopia

Por Mauro Santayana

O documentário de Silvio Tendler Utopia e barbárie é referência necessária ao exame da história contemporânea, ao lado de outros estudos marcantes, como os livros de Chomsky e de Bárbara Tuchman – sem falar nas análises filosóficas mais profundas de Hannah Arendt e dos expoentes da Escola de Frankfurt. Como trabalho cinematográfico, a obra de Tendler se identifica com o clássico Mourir à Madrid, de Frédéric Rossif, de 1963. Mas Silvio nos espicaça com inquietação explícita: até onde a barbárie pode alimentar-se no combate à utopia?


A discussão não é nova, mas muitos procuram evitá-la, nutridos do sumo de justiça e da busca de seus sonhos proféticos. A mais bela e forte das utopias é a do cristianismo, que nos promete a realização do Reino de Deus entre os homens. Sem ela, a vida no Ocidente teria sido insuportável, mas sua associação ao poder temporal, com Constantino e Ambrósio, trouxe o conformismo e a frustração.

Ao organizar o seu caminho, a utopia corre o risco de perdê-lo. Isso parece dar razão aos anarquistas puros do século 19, que reduziam a utopia à atualidade destruidora: toda tentativa de ordenar a vida social em estados era, para eles, violência intolerável. Tendler fala de Hitler, de Stalin, de Pol Pot, e de suas vítimas, como portadores de utopias singulares. A de Hitler, desde o início, não se dissimulava, porque o nazismo é identificado com a morte. Seu mundo ideal Hitler o desenhou a partir de Mein Kampf: um mundo dominado pelos alemães, herdeiros da Terra pela força e pela beleza, ou, seja, pela sua superioridade como animais predadores.

Quando as melhores utopias se valem da violência, a fim de se tornarem viáveis, elas se pervertem, é a conclusão dos espectadores do filme de Tendler e dos estudiosos da história. Em suma: as utopias políticas de igualdade e justiça devem ser fiéis a si mesmas, ainda que permaneçam sempre utopias, ou seja, irrealizáveis. Se assim for, cumprem o seu papel ontológico, o de, ao conservar a esperança no absoluto, permitir a realização do relativo. Ou, na linguagem de Marcuse, construir a história como a realização do possível no interior do necessário.

No seu estudo sobre o alvorecer do século 20, Bárbara Tuchman mostra como o apogeu do poder e do fausto do Império Britânico, durante a hipócrita sociedade vitoriana, correspondeu à mais dramática situação de seus trabalhadores. Trinta por cento dos ingleses viviam em pobreza inimaginável, apesar do saqueio colonial, trabalhando sete dias por semana, de 12 a 16 horas por dia, dizimados pela tuberculose, enquanto nos palácios ducais as recepções perdulárias e insolentes se repetiam. Quando os trabalhadores começaram a organizar-se, o governo ameaçou excluí-los de tudo, e importar mão de obra chinesa, quase escrava. Foi exatamente nesse período que os anarquistas passaram a agir: seu terrorismo era a resposta da justiça utópica contra as pétreas estruturas do poder. Em menos de duas décadas, reis, rainhas, duques, primeiros-ministros europeus e o presidente dos Estados Unidos, McKinley, foram assassinados. Os anarquistas atuavam quase sempre sozinhos, ou associados a dois ou a três companheiros, quando muito.

O documentário de Tendler se encerra com uma nota forte de esperança, que se funda na experiência. Mesmo tendo sido o século mais sangrento da História, com mais de 60 milhões de mortos nas guerras sucessivas, os últimos cem anos contribuíram para a libertação dos homens, embora novas etnias sociais, como as dos moradores de rua, tenham surgido da economia neoliberal, essa teologia dos banqueiros. Tendler cita como sinais da esperança a eleição do operário Lula, no Brasil, e a de um negro, Obama, para presidir os Estados Unidos.

As utopias, em todos os tempos, são a denúncia da injustiça e o ânimo para a resistência. Elas se realizam pouco a pouco; a cada passo trazem novas esperanças e se distanciam, como as linhas do horizonte, quando delas nos aproximamos. São inalcançáveis, como os arcos-íris. Ao mesmo tempo, suas conquistas açulam as contrautopias, para a violenta reação que conhecemos. Nesse jogo dialético entre a barbárie e a utopia, se faz a história, com a grandeza e a miséria da condição humana.
 momhttp://blogdofavre.ig.com.br/tag/henri-cartier-bresson
O momento preciso
Emanoel Barreto

A foto é de autoria de Henry Cartier Bresson, artista que marcou não apenas o século passado, mas toda a história do foto-jornalismo desde então e para sempre. Dele, já li que definia seu trabalho como a captação do que chamava de "o momento preciso" - aquele instante mágico em que o olhar sensível percebe um dado de mundo e seu congelamento exato em imagem-emocionada.

O momento preciso é aquele instante em que o fotógrafo sente-se implicado à cena, é parte dela enquanto orbservador-participante. Participante no exato instante em que ela o impressiona e a trans-forma em depoimento histórico.

Histórico como aquilo que terá relevo nos registros da grande vida social, como os feitos da humanidade em suas grandiosas ou degradadas manifestações, ou histórico enquanto captação de momentos públicos íntimos, como o encontro do casal.

Tudo é história, tudo é vida. Tudo pode ser o momento preciso. Basta dar-lhe significação. O problema é a genialidade para expressar esse momento.



quarta-feira, 5 de maio de 2010

Uma charge do Henfil, só para matar a saudade.
De frente pro crime ou o sorriso da Mona Lisa
Emanoel Barreto

Em minhas aulas sobre formas de comunicação disruptivas, como atos de protesto e ações terroristas, cujo objetivo imediato é abrir espaço midiático literalmente à força, costumo lembrar aos alunos que, no respeitante ao terrorismo, trata-se, além da forma abjeta da ação, de algo que obtém efetivo resultado - lamentavelmente, pela mídia, eles conseguem levar adiante a sua mensagem bombástica - perdão pelo trocadilho.

Mesmo que não sejam experts em comunicação, do ponto de vista teórico, os terroristas têm, pela própria experiência, uma certeza: aquilo que irão perpetrar encontrará espaço no mundo da mídia. Isso em função de algo que intuitivamente percebem: tudo o que quebra a planura do cotidiano, afasta-se do comum e do normal, chama a atenção dos jornalistas.

Desta forma, terroristas dão andamento às suas ações, que em si são discursos, são formas de dizer ao outrem, ao terceiro, no caso a sociedade ameaçada, que suas atitudes serão levadas avante a despeito de esquemas de segurança, precauções e cuidados militares ou policiais. Ou seja: a mensagem terrorista "informa" que eles, os terroristas, têm a possibilidade de alguma forma de invisibilidade - chegar sorrateiramente ao núcleo social visado e ali praticar o objetivo pretendido com obstinação e destemor.

É como se dissessem: "Nós estamos aqui. Ninguém está a salvo. Podemos agir a qualquer momento, em qualquer lugar, contra qualquer pessoa. E essa pessoa pode ser você, sua mulher, seus filhos, seu marido, qualquer um..."

Essa a essência do terror: infundir um sentimento coletivo de perplexidade, de desequilíbrio. As ações do terror são um grande discurso comportamental, um ato frasal escrito com sangue e destroços, uma ameaça que paira, amparada pelo pálio do sectarismo.

Na foto de capa da Folha a cara do terrorista sorri sutilmente. É o mesmo mistério que emoldura o enigma da Mona Lisa. Ela talvez nos perguntando quo vadis; ele com o cinismo dos que sabem que, olhando para si, estamos de frente pro crime em sua mais terrível e intiminadora acepção.


segunda-feira, 3 de maio de 2010

A notinha contra Serra ficou bem escondidinha
Emanoel Barreto

Preste atenção à primeira página da Folha. Prestou? Não viu nada de errado? Não? Vou explicar: Quem entende de jornal de forma mais aprofundada não deixará de notar que a notícia intitulada "Ato com apoio a Serra recebe R$ 540 mil em verba pública" foi diagramado no canto superior direito da página. 

Por que isso? Muito simples: é por demais conhecido no meio jornalístico que matérias nessa configuração visual tendem a ser relegadas pelo leitor, cuja visão está condicionada a fazer o reconhecimento da página da esquerda para a direita e de cima para baixo.

Logo, o olhar busca a matéria seguinte após a manchete, que é a notícia sobre a Grécia.Claro que a unidade gráfico-noticiosa abordando Serra será lida. Mas, ao contrário do noticiário sobre o PT, não foi a manchete.

Interpretando o fato temos que a Folha cumpriu com a essência do seu projeto político-editorial: deu a notícia, mas sem o grito manchetesco.  Ou seja: com isso não poderá ser acusada de imparcialidade, já que está "noticiando os dois lados", com material de valência negativada seja para Serra seja para o PT ao longo das edições.

A observação do recurso, todavia, nos mostra o discurso enviesado do jornal e como joga com o leitor. Trata-se de um trabalho dissimulado, contínuo. Um agendamento lento, seguro e gradual. Ao longo da próxima campanha presidencial esse comportamento deverá ficar mais claro e será possível perceber o apoio do jornal ao tucanato.

Se é que você ainda não o descobriu...









domingo, 2 de maio de 2010

http://www.kikareichert.com.br/inspirations/wp-content/uploads/2009/01/2wduef6.jpg
UMA NOITE
--- Walter Medeiros

Havia barulho do mar,
Atravessando a vidraça,

Havia um par de taças,

E um desejo de amar.

Havia olhares felizes,

Pela penumbra da noite,

E muitos gestos afoitos,

Alguns até sem matrizes.

Era o primeiro encontro

De um amor alimentado

Desde os dias da infância.

O desejo era tanto

Que findaram entregados

Na alcova, sem distâncias.
Burlesca, bela e nua
Emanoel Barreto

Transcrevo o texto abaixo, obtido no UOL Educação, sobre Josephine Baker. Só para não ficar falando de política o tempo inteiro. Ou melhor: é melhor falar sobre uma diva que sobre as dívidas - públicas, sociais, morais...

                http://wpcontent.answers.com/wikipedia/commons/thumb/e/e6/JosephineBakerBurlesque.JPG/170px-
Não foi à toa que ela recebeu os apelidos de "Vênus negra" e "Deusa de ébano" e arrancou elogios de grandes personalidades. Extravagante e sensual, sempre se apresentando em trajes ousados, conquistou Paris e deixou muitos homens e mulheres apaixonados.


Seu nome verdadeiro era Frida Josephine McDonald, filha de Carrie McDonald e Eddie Carson, músico. Teve uma infância pobre, no sul dos Estados Unidos, em Saint Louis, e às vezes dançava nas ruas para ganhar algumas moedas. Como a mãe e a irmã, trabalhou como lavadeira na casa de senhoras malvadas (uma delas chegou a lhe escaldar as mãos porque tinha gasto muito sabão).

Um dia arrumou o emprego de camareira da diva negra Clara Smith, e conseguiu a oportunidade de substituir uma corista. Aos 15 anos, casou- se com William Howard Baker e ganhou seu sobrenome, mas deixou-o dois anos depois, quando saiu de St. Louis, devido à grande discriminação racial que havia na cidade. Aos 19, arrumou uma vaga num show da Broadway. Achavam que ela fazia muitas caretas e que tinha olhos vesgos. Por sorte, foi selecionada para participar de "Revue Nègre" em Paris.

Desembarcou na cidade luz no ano de 1925 e na noite de estréia, no Teatro Champs Ellysées, tinha os artistas Léger e Jean Cocteau na platéia. As atrações do show eram os bailados exóticos e os negros zulus. Josephine fazia uma dança selvagem, com as plantas do pé no chão e as pernas arqueadas, com os seios de fora e uma tanga de penas.Desbocada e sexy, tornou-se estrela no ano seguinte, no Folies Bergères e no Cassino de Paris, conquistando a fama logo em seguida. Sua primeira performance foi a famosa dança da banana, em que se apresentava vestida somente com uma tanga feita com as frutas. Ela rapidamente tornou-se a favorita da França. Ficou casada algum tempo com Pepito di Abatino.


Em 1929, após uma turnê na América do Sul, no navio que levava Josephine Baker - "a mulher mais famosa do mundo" - para a Europa, conheceu o brilhante arquiteto Le Corbusier. Segundo a biografia escrita por Phyllis Rose, os dois talvez tenham sido amantes. É possível, porque o que não faltaram na vida de Josephine foram maridos e amantes. Além de Baker e Abatino, casou-se com Jean Lion, Joe Bouillon e Robert Brady. A lista de admiradores incluía Georges Simenon, Pablo Picasso, Alexander Calder, E. E. Cummings e outros.

A participação de Josephine na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial e sua luta contra o racismo lhe valeu as duas mais altas condecorações da França, a Cruz de Guerra e a Legião de Honra.

A partir de 1950, começou a adotar crianças órfãs durante suas turnês pelo mundo, passando a criá-las em seu castelo, Les Milandes, nas vizinhanças de Paris. Também adotava animais, de todas as raças. Chegou a passear por Paris com um leopardo (Chiquita) que, de vez em quando, escapava da coleira dentro de um teatro, quando ela insistia em levá-lo para assistir a uma peça.

No final dos anos 1960, passou por dificuldades financeiras e parou de se apresentar em 1968. A princesa Grace de Mônaco ofereceu a ela uma casa no Principado, quando soube dos seus problemas. Baker apresentou-se então em Mônaco, com grande sucesso, em 1974. No mesmo ano fez apresentações em Nova York. Estava se preparando para comemorar, em Paris, os 50 anos de palco, quando entrou em coma e morreu aos 68 anos, em 12 de abril de 1975. Seu funeral foi em Paris e ela foi enterrada em Mônaco.

Josephine Baker esteve no Brasil pela primeira vez em 1929. Apresentou-se no Teatro Cassino, no Rio de Janeiro. Voltou em 1952 e contracenou com Grande Otelo no show "Casamento de Preto", onde cantava "Boneca de Piche" em português. Em 1963 fez uma temporada no Copacabana Palace e apresentou-se no Teatro Record, em São Paulo. Esteve pela última vez no Brasil em 1971, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Porto Alegre.