sábado, 10 de julho de 2010

 Folha de S. Paulo
 Se eu recebi o Cão, posso receber uma diaba
Emanoel Barreto

Diz a Folha de hoje: Dilma Rousseff (PT) chegou antes de boa parte das convidadas ao almoço oferecido para ela ontem, no Rio, por Lily Marinho, viúva de Roberto Marinho, das Organizações Globo. Eram 13h quando a petista foi recebida pela anfitriã na porta da célebre mansão cor-de-rosa do Cosme Velho, aos pés do Cristo Redentor, onde o casal recebeu por décadas governantes do mundo todo para jantares memoráveis.



"Se o Roberto recebeu Fidel Castro aqui, por que eu não posso receber o PT?", disse Lily à Folha, num cenário emoldurado por flamingos rosas que nadam nos lagos da mansão -as aves foram presente do cubano, que esteve no Rio em 1992.
...

CREIO QUE DONA LILY deve ser uma senhora adorável. Imagino-a elegante, charmosa, espirituosa, finíssima, clássica. Uma mulher do tempo em que a elegância feminina era coisa primordial. Um toque de perfume fazendo parte da toilette.
A mulher vestia o seu perfume. Ela era o perfume e o seu vestido.

Gostaria muito de tê-la entrevistado. Enternece-me e me encanta o olhar a vivência dos que viveram muito. O tempo deles passando ante seus olhos em narrações que consigo captar numa espécie de telepatia, pois também os acompanho nesse delicado vórtice. Fiz isso muitas vezes quando entrevistava Luís da Câmara Cascudo.

Mas, o que digo? Estou entrevistando, nesse solilóquio, Dona Lily Marinho. Estou divagando nessa entrevista que a mim mesmo concedo, quando o que quero realmente é imergir na política, essa arte do terrível tão bem descrita pelo divino Maquiavel.

Política? Ah, política. Dona Lily, magnífico exemplar do que talvez se possa chamar de nossa aristocracia, elegante como seus flamingos, recebendo a diaba, a ex-guerrilheira sem, com isso sentir-se ofegante, sem precisar pedir seus sais, porque antes já havia recebido o próprio Diabo Fidel Castro. E olhe que não é pouca coisa.

Pelo que vejo, esta é a segunda matéria que a Folha exibe, mostrando a diaba em meio a comensais da alta costura. A primeira foi em São Paulo, quando a diabrete foi recebida em meio a canapés e champagne pela alta esfera quatrocentona.

Qual a intenção da Folha com isso? Registrar objetivamente um fato, um acontecimento de ação? Sim, sem dúvida. No texto sobre o encontro com Dª Lily, por sinal, o fez de forma magnífica. Requintado, o texto rebrilha de pontuações sobre a finesse do encontro, rendez-vous delicado, cheio dessa ternura de ocasião como somente o charme da burguesia o sabe fazer.

Mas, qual o objetivo oculto do jornal? Muito simples: mostrar a incoerência entre a mensagem da diaba e seu convívio com, digamos assim, uma representante do capital. Ou seja: a diaba cortejando as elites.

É verdade? É. A ex-combatente da ditadura está se aproximando das elites, participa de seus convescotes e fala sobre amenidades. A Folha, com isso, busca desconstruir o discurso diabólico, mostrando suposta peraltice ideológica da diabinha.

Mas, por outro lado, é verdade também que a diaba tem consciência de que, num país como o nosso, é preciso fazer avanços no que Gramsci chamava metaforicamente de guerra de posição. A ocupação de espaços, para fortalecimento da campanha - aqui no sentido militar do termo com suas implicações na arte política.

Por favor, nada de entender que estou convocando a luta armada. Bobagem. Não sou assim um comuna tão perigoso. Tsk, tsk, tsk... Estou, sim, dando sustentação à metáfora gramsciana. Ocupação de espaços, avanço metódico e metodológico.

Já critiquei neste Coisas a diaba por esse tipo de comportamento. Senti a incoerência. Mas, ante o perigo de uma motossera desvairada derrubando o pau-brasil, talvez seja necessário um pouco de pragmatismo, mesmo com alguma repulsão.

O discurso da, outra vez, diaba, talvez possa se colocar, também gramscianamente, como exercício de grande política. Aquela da fundação de estados, do debate e da compreensão histórica do enfrentamento dos atores concernidos, para usar linguagem cara aos sociólogos. Em linguagem popular, engolir sapos, mesmo que servidos como repasto com nome em francês.

Pois bem: a diabrete - ou seria diabreta? - talvez esteja seguindo esse rumo, o da grande política. Ela própria é parte da elite política. Os políticos sempre são uma forma de manifestação de elite. Afinal, são eles quem, na prática, na práxis melhor dizendo, definem, pelo menos em princípio, o passo seguinte. O povo sempre vem depois.

Mas, como ia dizendo, é preciso dialogar. E se a Folha pretende desconstruir o discurso de mefisto, talvez esteja agendando em setores da elite exatamente o que o meeting dilmístico pretende: apresentar-se como não-radical e apta a, convivendo com a conservação, assumir o lugar do sapo barbudo.

Mas, como dizia inicialmente, teria imenso prazer em entrevistar dona Lily Marinho... Teria mesmo...

Volto

Volto a escrever neste sábado.
Emanoel Barreto

quinta-feira, 8 de julho de 2010

http://avapa.files.wordpress.com/2008/05/rottweiler1.jpg
O inferno de Dante no dente do rottweiler
Emanoel Barreto

O assassinato da ex-amante do goleiro Bruno assumiu à perfeição os contornos de tragédia macabra, acontecimento medonho.

Como nos piores momentos da série Criminal Minds ou dos filmes do personagem Hannibal, quando mentes criminosas praticam os mais nauseantes atos de barbaridade e insânia, o requinte da perversidade ali parece ter chegado ao limite ou quase isso. Parece. Ninguém sabe ao certo até que ponto a humanidade pode se manifestar em atos de crueldade demencial.

O fato de o corpo ter sido esquertejado, servido a cães e emparedados os ossos revela dado terrificante, enlouquecedor: o homem, no exercício da humanidade, paradoxalmente se desumaniza, se degrada e degrada seus semelhantes. Legiões de demônios dançam nos dentes das feras. Tire as crianças da sala.

Como num thriller macabro, as peças vão se apresentando e se encaixando. Enquanto isso, o principal suspeito se nega a depor, afirmando que somente o fará em Juízo. Está no legítimo exercício de cidadania.

O que se espera é o esclarecimento do caso. Numa sociedade como a nossa, onde a impunidade é quase que garantida em lei, tamanha a gama de artifícios e procrastinações ao dispor dos advogados, é preciso lugar para que alguma justiça seja feita.

Falando nisso, vem-me à lembrança a lei dos ficha-limpa. O senador Heráclito Fortes, um ficha-suja, já garantiu, pelo menos a princípio, sua impunidade. Condenado por improbidade, já ativou manhas e artimanhas processuais para se livrar do impedimento legal de candidatar-se à reeleição.

A questão é que, persistindo o quadro de impunidade viral, temo que isso venha a se converter em impunibilidade, ou seja: a prescrição de que nenhum criminoso, mesmo flagrado, seja punido. Evoluindo o impune para a condição de impunível, teremos então instalado o quadro mais desalentador, aos que se regem pela honradez.

E me vem uma pergunta: o Brasil vale a pena?

quarta-feira, 7 de julho de 2010


 O DIÁRIO DE BICALHO
Amável Diário,

Descobri hoje de manhã que sou um homem sem sombra. Minha sombra fugiu de mim, entende? Ao fazer a caminhada diária notei algo estranho: era a ausência da sombra. Como sei que fisicamente sou um corpo opaco e que todo corpo opaco submetido à luz produz aquilo a que chamamos de sombra, tomei-me de cuidados.

Um amigo já me havia falado nisso, garantindo que sua sombra havia fugido. Para ele, a explicação era que a tal sombra era preguiçosa e não gostava das ferozes caminhadas que ele faz todos os dias.

Considerei aquilo algo natural: afinal, as sombras, como qualquer ser vivente, têm o direito de se recusar a trabalhos forçados. Mas, no meu caso não. A minha sombra, e isso ela já havia demonstrado em seguidas discussões comigo, queria me assassinar. Para tanto, havia fugido a fim de preparar seus planos.

Convicto do perigo, acautelei-me. Olhando para todos os lados percebi movimentos escusos: era a sombra Amigo Diário. Movia-se com velocidade incrível. Saltava sobre árvores, carros, corria pela pista onde eu fazia a caminhada. Chegava até às nuvens, vertiginosa e cruel.

Então, após dar um salto de mais de dez metros de altura, precipitou-se sobre mim e parecia brandir agudo e pavoroso punhal.

Rápido como meu lúdico, quero dizer lúcido pensamento, atirei-me sob a copa de uma árvore e escapei ao atroz e belicoso golpe. A arma ficou cravada no tronco e, enquanto ela tentava recuperá-la, fugi.

Entrei no meu carro e acelerei em direção à minha casa. Inútil, a sombra corria ao lado e sorria. Enfrentando o trânsito, que apesar da hora já era intenso, cheguei. Chovia. Somente então percebi que, todo esse tempo, eu estava sob um temporal. Desde quando caminhava.

Mas, chegando à minha casa, divisei a figura macabra da minha sogra à porta. Parecia me esperar, a fim de, ali mesmo, me eliminar friamente. Tinha à mão um estranho objeto negro. Mais perto percebi que era um guarda-chuva. Sem dúvida se preparava para cravá-lo em meu coração. Dizem que sogras são exímias no uso de guarda-chuvas como armas.

No carro também havia um guarda-chuva. Empunhei-o e preparei-me para o combate mortal. Avancei em riste, prestes ao embate. Se morresse, teria fim glorioso, combatendo aquele sinistro dragão.

Ele me disse: "Meu filho, você nessa chuva toda...", querendo me enganar. Notei que preprarava-se para desfechar-me notável golpe no crânio e assumi posição de defesa. Minha mulher veio em socorro da virago e dizia também: "Querido, você, todo molhado, vai se resfriar..." e percebi que tinha nas mãos uma toalha, certamente para me enforcar.

Nisso, uma réstia de sol me iluminou e vi novamente a minha sombra. A chuva tinha cessado, o sol brilhava e ela tinha voltado. Entrei em casa desesperado, mas agora com a minha sombra que, em caso de urgência, poderia me ajudar no combate.

Ensopado, dei o primeiro espirro. Minha mulher chegou com um chazinho e me disse: "Beba isso, amor, vai melhorar."

Bebi, mas, por precaução, para não ser envenenado, cuspi tudo. Agora estou aqui, gripado. Minha mulher, ao meu lado, diz que está cuidando de mim. Acredito não. Quando eu dormir tenho certeza de que serei assassinado.

Deste seu amigo,
Bicalho

O icosaedro truncado é proporcional ao momento estático, que por sua vez é algo que se parece com o iconoclasta madrileno do escambo
Emanoel Barreto

A Folha de S. Paulo tem em sua política editorial a proposta de manipulação do leitor mediante o recurso que lá eles chamam de amor/ódio. Quem bem explica - e apoia o método - é o professor Carlos Eduardo Lins da Silva em seu livro "Mil dias, seis mil dias depois". Segundo entende, é preciso agredir o leitor a fim de provocar nele a necessidade de ler o jornal. O confronto jornal/leitor, afirma, é proveitoso em termos políticos e de mercado.

Diz assim: a relação amor/ódio "em todos os sentidos, trata-se de uma postura que só pode ser positiva em termos tanto de mercado como de influência política. Um  veículo de comunicação que seja apenas benquisto pela sua audiência, acaba se tornando desinteressante, monótono, previsível. A relação amor/ódio é muito mais provocante, recompensadora e condizente com um público sofisticado e crítico."

Mais claro que isso só o Satânico Dr. No. Pois bem: o artigo abaixo certamente está inscrito nessa política editorial. É uma verdadeira afronta a qualquer concepção de jornalismo. O articulista, um matemático, se expressa em linguagem acadêmica e, como tal, esotérica. Não fez qualquer esforço para explicar ao leitor não-iniciado em sua ciência o que seja a tal bola Jabulani, a suposta intenção do artigo.
Com você, um pingo do ódio que a Folha destina ao leitorado. Na íntegra, o samba do crioulo doido.

Jabulani, a bola mais criticada
JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO jlpmello@uol.com.br


O poliedro de material flexível inflável da Jabulani só é composto por pentágonos regulares


NINGUÉM RECEBEU mais críticas durante a Copa do Mundo de futebol do que Jabulani, a bola oficial do torneio. Ela foi chamada pelos jogadores de "bola de supermercado" (Julio César), "bola sobrenatural" (Luis Fabiano) e até de "bola patricinha" (Felipe Melo).


A história moderna da bola de futebol remonta à Copa de 70, ocasião em que o mundo foi apresentado a uma bola de futebol cuja forma se mostrou tão conveniente que permaneceu em uso até o recente aparecimento da Jabulani.


A concepção da bola consagrada em 70 foi inspirada em um conhecido poliedro convexo, descoberto por Arquimedes, denominado de icosaedro truncado. O icosaedro regular é um poliedro convexo de 20 faces triangulares, e o icosaedro truncado, um poliedro convexo obtido após fazermos "cortes" nos vértices do icosaedro regular.


Por serem poliedros, tanto o icosaedro regular como o truncado atendem à seguinte relação, conhecida como teorema de Euler: o número de vértices (V) mais o de faces (F) excede em 2 a quantidade de arestas (A), ou seja, V+F = A+2.


No caso do icosaedro regular, suas 20 faces são triângulos equiláteros, sendo que cada vértice do sólido é formado pela junção de quatro triângulos, o que concede a ele 12 vértices e 30 arestas. As 32 faces do icosaedro truncado são formadas por 12 pentágonos regulares e 20 hexágonos regulares. Cada um dos 60 vértices do icosaedro truncado é formado pela junção de 1 pentágono e 2 hexágonos, o que resulta ao sólido o total de 90 arestas. Poliedros cujas faces regulares são de mais de um tipo, como o icosaedro truncado, que possui faces pentagonais e hexagonais, recebem o nome de sólidos de Arquimedes.


Desde os anos 70, portanto, a fabricação da bola tradicional de futebol é feita inflando-se um icosaedro truncado de faces flexíveis até se obter um sólido "suavemente" esférico. A novidade introduzida pela Jabulani é o fato de que o poliedro de material flexível inflável nela utilizado é composto apenas por pentágonos regulares, como se vê no vídeo da sua fabricação.


Para entendermos por que uma bola como a Jabulani implica uma trajetória mais irregular do que a da bola tradicional, é razoável olhar para a planificação das faces a partir de um dos vértices do poliedro e compará-la com a da bola tradicional.


Observe que o "ângulo de folga" com relação a 360 é menor na bola tradicional do que na Jabulani, o que, em última análise, implica dizer que, quando inflada, a bola clássica irá gerar uma superfície mais suave -e menos suscetível à trajetória irregular- do que a Jabulani.


Não só nossos jogadores estão "matematicamente" corretos em reclamar da Jabulani, como também podemos dar um novo apelido a ela: Jabulani, a "bola não arquimediana". 
(JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO é graduado e mestre pela USP e professor de matemática do Colégio Santa Cruz)



terça-feira, 6 de julho de 2010

http://fotografia.folha.com.br/galerias/256-uruguai-x-holanda#foto-5689
"O holandês Demy de Zeeuw é atingido pela chuteira do uruguaio Caceres..." - diz o texto da Folha. Há algo mais, porém: a foto, enquanto registro de acontecimento único e irrepetível, além de mostrar lance que os comentaristas de futebol talvez chamassem de "viril", supera, creio,  esse confronto másculo.

Suponho dê a dimensão trágica do futebol, o jogo de mil sentidos e intenções: luta, guerra, sofrimento, heroísmo, superação, doação, arrojo, comprometimento, causa, um toque de violência espartana...

Como disse, são mil sentidos e significações.

E fico e pensar:talvez tenha faltado ao Brasil um pé de coragem...


Divulgação
Riquelme tirou a roupa. Tirou a roupa? Rapaz, vamo ver, já pensou?
Emanoel Barreto

Os acontecimentos de massa na sociedade do espetáculo muitas vezes terminam por engendrar outros acontecimentos. É o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamava de circulação circular da notícia. Um acontecimento noticioso suscitando outro num círculo de implicações em essência vazias de sentido - o acontecimento pelo acontecimento, a emoção geral contaminando seu próprio processo.

É o caso da arrivista jovem, que viu - e muitos viram com ela e por ela - a oportunidade da fama dos 15 minutos. Lembra de Andy Wharol? A moça já foi clicada por revista argentina e, a cavaleiro do tsumami que a Copa provocou em torno de si, agora virou personagem desse, posso dizer drama alegre? Drama enquanto encenação, pastiche de si próprio, burlesqueria? Posso, acho que posso.

Mas, é isso: a moça vai desfrutar seus minutos de fama, vai embolsar algum dinheiro e, não tenha dúvida, vai ser depois digerida pela indústria cultural. Lembra de alguém chamada Carla Perez? É só para lembrar...

domingo, 4 de julho de 2010

Reflexões a respeito da Seleção
Emanoel Barreto

A Seleção não tinha um ataque; teve um acesso.
Não tinha um grande técnico; tinha um anão.

Não tinha uma fera como Pelé; só a pele de lobo.
Que não era a pele do Lobo Zagallo.

Como não houve um Zagallo, voltou com um galo. Na cabeça.
Como também parecia não ter cabeça, o galo se transformou em calos. Nos pés.

Sem um Garrincha, todo mundo relincha.

Kaká, bobinho, só fez gá-gá-du-du.

Agora é esperar por 2014.
Faça a soma: 2+1+4=7.
Que é a conta do mentiroso.