sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Minha entrevista com um mortuário

Certa vez fui pautado para entrevistar um senhor aposentado. Homem de idade já antiga, que vivia agora um tempo apascentado e gordo, untado de régios benefícios. Nada de extraordinário lhe acontecera para a tal entrevista, mas jornal tem disso: se alguém é amigo do dono pode sempre contar com um repórter para contar não-sei-o-quê.


Ele queria falar de si. Era seu aniversário. Fui. Encarei assim: é um apenas personagem, um personagem da notícia. Um ser passante como aragem numa tarde sem data. Isso facilitou a aceitação da matéria porque, em vez de perguntar sobre sua vida reta, monótona, ausente de imprevistos, desafios ou perigos por mínimos que fossem, eu trataria daquele drama inexistente: uma vida plana e sem planos, ajustada milimetricamente às recompensas que sempre conseguem aqueles que assim se locupletam.

O homem passara seu tempo todo sob o pálio de políticos e mandões, galgara postos de ociosidade em repartições públicas, enfeixara gratificações e incorporara até mesmo as horas-extras de sua inutilidade ao salário, e eis que então vivia à plena o retorno monetário de sua inapetência ao esforço, qualquer que seja ele.

Da matéria que fiz nada me lembro nem me esforço. Não vale a pena. Mas guardei, sim, guardei, o ambiente, a sala, o espaço de vivência daquele ser cevado a dinheiro que jamais havia merecido. Vivia em sua alargada casa em companhia apenas da mulher, uma senhora ampla, pesada, estofada por suas carnes velhas e gordurosas. Bondosa, inteligente como um nabo, farta como uma almofada, ela vivia na igreja a rezar e a organizar o pão-dos-pobres.

Ele, muito branco, movia-se com a agilidade de um leão-marinho. A boca mole parecia apenas dizer "plof" e nada mais. Encontrei-o na sala e ali fui recebdo. Era um ambiente amplo como as léguas, decorado por quadros religiosos; ícones de santos saltanto por todos os lados, aquela sala respirava um ar de coisa pesada, amolecida, adormecida com o peso dos anos.


Havia também retratos de família. Fotos antigas, imagens sérias que pareciam me fitar o tempo podo. Fotos de família: já reparou que, nesses santuários a que chamamos sala de estar, as fotos têm autoridade, têm aura, poder e uma espécie de força que reclama do visitante respeito e reverência? Foram pessoas sem maior expressão, mas, num lar, assumem a pose e a postura de um doge, gozando da fama inexpressiva de terem feito parte da família e ocuparem espaço naquele território.


As cadeiras, enormes, espaldar alto, algumas velhíssimas, a enorme mesa de centro recoberta de estatuazinhas, cortinas pesadas, embebidas de uma espécie de mau gosto casto e respeitável, o chão atapetado de um tapete pomposo, certamente reino bondoso para milhões de ácaros, assim era a sala.

Ali, tudo sabia a coisas de antanho, a um passado lustroso, brunido como um corrimão ensebado. Era uma espécie de decadência retumbante, mansamente densa e fartamente espalhada, penetrando à mais mínima reentrância ou ranhura. Ali havia um peso ocioso de gente que nada havia produzido, um cotidiano gratificante de mesmice parva e promissora de que tudo continuaria arfando como um grande corpo que dorme seu ronco de preguiça.


A sala era um mausoléu diariamente preservado pelas vidas múmicas que a habitavam cuidadosamente. A iluminação baça, quase esfumaçada, era como uma névoa de luz fosca, benvinda e parte daquele ambiente que não chegava a ser sinistro, mas meramente decadente e refestelado em sua suntuosidade de letargo.

A entrevista demorou, o homem queria contar toda a sua vida, heroicizar seus feitos amanuenses, engrandecer decisões de carimbo, destacar o plural do paletó aposto ao espaldar de sua cadeira de chefe. Suportei o quanto pude os seus dizeres, mas com ele não falava. Na verdade eu entrevistava aquela sala, aquela toca fornida de conquistas sem merecimento.


Consegui afinal terminar a entrevista. O carro do jornal viria me pegar. Não era sem tempo: aos poucos, eu fora dominado por um processo de sufocação, um calor enervante e grosso como uma tora de queijo gorduroso. Era insuportável viver mais um minuto aquela sala pegajosa. Assim, quando a boca mole ditou seu último plof, senti-me aliviado.

De repente, o carro do jornal buzinava à porta. Saltei o mais rápido que pude da cadeira, atirei-me à rua, precipitei-me à luz gloriosa do sol e agradeci por haver escapado daquele mortuário da usura.

What a wonderful world - LOUIS ARMSTRONG

Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces

 Jean-Paul Sartre
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Ainda lembranças minhas sobre a Cooperativa dos Jornalista de Natal-Coojornat

Um dia de sol no Rio,um dia de azar para Henfil, um dia de reportagem em Natal

A Coojornat foi fundada em 1977. Cerca de um ano antes chegava a Natal Henrique de Sousa Filho. Henfil, sabe? Eu era repórter da Tribuna do Norte e o chefe de redação Djair Dantas me mandou entrevistar. Djair foi um dos mais completos repórteres que já conheci: corajoso, bom redator, íntegro, companheiro. Era correspondente do Jornal do Brasil. Morreu jovem, em consequência de acidente de moto.

Mas, eu falava de Henfil. Pois bem: fui para a entrevista, devo dizer, ansioso. No mínimo. Afinal, além de ser o primeiro repórter a entrevistá-lo em Natal, ia falar com uma lenda viva, vivíssima, do cartunismo brasileiro, uma das tintas mais criativas e agudas que se voltavam contra o que chamávamos de estado de coisas  de então: a ditabranda, seus medos, suas ameaças. 

Detalhando o que quero dizer com lenda: o homem era do Pasquim: famoso, respeitado, figura icônica da resistência jornalística à ditabranda. Enquanto isso, eu, veja só: meros três anos de jornal - nascido no jornalismo policial -, ainda catava palavras no teclado da máquina e ensaiava textos de aprendiz. Eu conhecia o trabalho de Henfil e o admirava; ele sequer sabia da minha existência. Por aí você já vê a diferença, a disparidade. É em situações assim que o repórter é testado. Se você sucumbe ao mito, se a admiração supera o profissional acabou-se a entrevista e esteja certo de que você fracassará. Será um bobo curvado ante Michelangelo.

E botei uma ideia na cabeça: eu não ia fracassar. Não deixaria que o mito suplantasse o pequeno repórter. Pois bem, mesmo assim, mesmo pensando na disparidade entre o repórter e a montanha fui. Henfil estava hospedado na casa do Comandante Graco Magalhães, veterano piloto da aviação de caça, grande figura, então piloto do avião que conduzia o governador do estado. 

Graco morava numa casa vasta, antiga, linda, na Avenida Getúlio Vargas de onde se tem uma visão literalmente deslumbrante da praia lá embaixo, areia e sol, mar e ondas tinindo na retina. Essa casa não existe mais. Foi tragada pelos luxuosos espigões à beira-mar plantados...

Outra coisa: para você ver a imensidão de Graco, imensão de ícaro: ele, militar da reserva, hospedava um cara do Pasquim...

Bom, cheguei ao casarão da Getúlio Vargas e fui recebido pelo Comandante. Sorridente, gestos largos, levou-me a uma espécie de estúdio, uma sala de enormes janelas, uma sala luminosa. E então veio Henfil. Eu esperava um tipo grande, um portento. A forma humana correspondendo à visão do mito. Mas eis que me chega alguém de estatura média, levemente encurvado. E mancando. Foi um choque: por momentos tive a impressão de que se aproximava um velhinho... - a barba acentuava essa visão.

Eu me apresentei e o mito terminou por tornar-se maior; maior porque o homem colocou-se acima do que dele o forasteiro, eu, pensava; a criatura forte, apesar de contida em corpo frágil quase vacilante, o aperto de mão firme, uma ligeira reverência. Mesmo mancando, demonstrava força de viver. O olhar radioso e arteiro. Tratou-me como se de há muito me conhecesse. "Vamos sentar". Fiquei a seu lado e conversamos antes da entrevista.

Exlicou: estava mancando devido a um pequeno acidente em meio ao trânsito do Rio. Um dia de sol para o carioca. Um dia de azar para Henfil. Foi assim: ele estava com o carro parado. Veio outro carro por trás e por algum motivo trombou no para-choque. Foi suficiente para atirar o carro de Henfil alguns metros à frente. Em meio ao susto do impacto inesperado, temendo bater em outro carro ou em alguém mais à frente, teve um ato reflexo: pressionou e manteve o pé no freio.

O outro carro seguia colado, empurrando, forçando, numa dessas situações estúpidas, típicas de acidentes. Afinal os dois carros pararam. E quando tudo terminou a perna direita estava inchada, doía muito. Para ele, hemofílico, sedentário, isso fora um esforço enorme. Provocou uma espécie de distensão muscular brutal. Resultado: agora estava Henfil em Natal, mancando, amargando os resultados de um pequeno e grosseiro acidente. 
(Continua)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

o até na floresta As ave se manifesta
Poetas niversitário,
Patativa do Assaré
                                                      
                                    
                                    Poetas de Cademia,
                                    De rico vocabularo
                                    Cheio de mitologia;
                                    Se a gente canta o que pensa,
                                    Eu quero pedir licença,
                                    Pois mesmo sem português
                                    Neste livrinho apresento
                                    O prazê e o sofrimento
                                    De um poeta camponês.
 

                                    Eu nasci aqui no mato,
                                    Vivi sempre a trabaiá,
                                    Neste meu pobre recato,
                                    Eu não pude estudá.
                                    No verdô de minha idade,
                                    Só tive a felicidade
                                    De dá um pequeno insaio
                                    In dois livro do iscritô,
                                    O famoso professô
                                    Filisberto de Carvaio.
 
                                    No premêro livro havia
                                    Belas figuras na capa,
                                    E no começo se lia:
                                    A pá — O dedo do Papa,
                                    Papa, pia, dedo, dado,
                                    Pua, o pote de melado,
                                    Dá-me o dado, a fera é má
                                    E tantas coisa bonita,
                                    Qui o meu coração parpita
                                    Quando eu pego a rescordá.
 
                                    Foi os livro de valô
                                    Mais maió que vi no mundo,
                                    Apenas daquele autô
                                    Li o premêro e o segundo;
                                    Mas, porém, esta leitura,
                                    Me tirô da treva escura,
                                    Mostrando o caminho certo,
                                    Bastante me protegeu;
                                    Eu juro que Jesus deu
                                    Sarvação a Filisberto.
 
                                    Depois que os dois livro eu li,
                                    Fiquei me sintindo bem,
                                    E ôtras coisinha aprendi
                                    Sem tê lição de ninguém.
                                    Na minha pobre linguage,
                                    A minha lira servage
                                    Canto o que minha arma sente
                                    E o meu coração incerra,
                                    As coisa de minha terra
                                    E a vida de minha gente.
 
                                    Poeta niversitaro,
                                    Poeta de cademia,
                                    De rico vocabularo
                                    Cheio de mitologia,
                                    Tarvez este meu livrinho
                                    Não vá recebê carinho,
                                    Nem lugio e nem istima,
                                    Mas garanto sê fié
                                    E não istruí papé
                                    Com poesia sem rima.
 
                                    Cheio de rima e sintindo
                                    Quero iscrevê meu volume,
                                    Pra não ficá parecido
                                    Com a fulô sem perfume;
                                    A poesia sem rima,
                                    Bastante me disanima
                                    E alegria não me dá;
                                    Não tem sabô a leitura,
                                    Parece uma noite iscura
                                    Sem istrela e sem luá.
 
                                    Se um dotô me perguntá
                                    Se o verso sem rima presta,
                                    Calado eu não vou ficá,
                                    A minha resposta é esta:
                                    — Sem a rima, a poesia
                                    Perde arguma simpatia
                                    E uma parte do primô;
                                    Não merece munta parma,
                                    É como o corpo sem arma
                                    E o coração sem amô.
 
                                    Meu caro amigo poeta,
                                    Qui faz poesia branca,
                                    Não me chame de pateta
                                    Por esta opinião franca.
                                    Nasci entre a natureza,
                                    Sempre adorando as beleza
                                    Das obra do Criadô,
                                    Uvindo o vento na serva
                                    E vendo no campo a reva
                                    Pintadinha de fulô.
 
                                    Sou um caboco rocêro,
                                    Sem letra e sem istrução;
                                    O meu verso tem o chêro
                                    Da poêra do sertão;
                                    Vivo nesta solidade
                                    Bem destante da cidade
                                    Onde a ciença guverna.
                                    Tudo meu é naturá,
                                    Não sou capaz de gostá
                                    Da poesia moderna.
 
                                    Dêste jeito Deus me quis
                                    E assim eu me sinto bem;
                                    Me considero feliz
                                    Sem nunca invejá quem tem
                                    Profundo conhecimento.
                                    Ou ligêro como o vento
                                    Ou divagá como a lêsma,
                                    Tudo sofre a mesma prova,
                                    Vai batê na fria cova;
                                    Esta vida é sempre a mesma.  



Rolling Stones- Sing This All Together / Citadel/ In Another Land

O Haiti é aqui e vem aí Baby Doc

Baby Doc diz que não pretende voltar ao poder no Haiti. Não pretende porque Baby Doc ouviu uma música de Caetano Veloso dizendo que o Haiti é aqui e que, portanto, é melhor ser presidente do Brasil. Afinal, o Haiti é aqui. Destarte, cumprirá o seguinte plano: como o Haiti não é mais o Haiti, o Haiti é aqui, o Haiti original acabou, não existe mais. O Haiti de lá é uma espécie de holograma, entende? E aquele terremoto foi uma superprodução de Hollywood que em breve estreará. Está em fase de montagem.

Então, Baby Doc virá para o verdadeiro, o novo Haiti e fundará uma capital nos escombros das cidades serranas do Rio. Disso ele tem know how e trará consigo uma coorte de zumbis altamente treinados, que ensinarão as pessoas a viver como espectros.

Explicará que as causas naturais da hecatombe foram de alguma forma originadas na incompetência das autoridades brasileiras que não estavam nem aí para o povo e que assim é melhor começar a viver logo o Haiti como estado de espírito.

Assim, cuidado: quando ele diz que não quer ser presidente do Haiti, é verdade. Ele quer vir para cá e instaurar uma república zumbiniana. O Haiti é aqui.

Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces

George Orwell
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.openculture.com/wp-content/uploads/2010/04/orwell.jpg&imgrefurl=http://www.openculture.com/2010/04/

A Fundação da Coojornat e minha conversa com um investigador estúpido

Memórias minhas: "O presidente Geisel é um safado!"

A Fundação da Coojornat, dia 1º de outubro de 1977, resultou numa desagradável surpresa: para mim. Foi assim: nós havíamos alugado uma casa na Rua São Tomé, Cidade Alta, em frente ao Senac. Num sábado, poucas semanas após a fundação, faríamos uma espécie de inauguração festiva, um congraçamento. Cheguei por lá mais ou menos às três da tarde e, da rua, ouvi música. Som muito alto. Estranhei, porque não tínhamos contratado qualquer serviço de som, muito menos com aquela potência toda.

Parei o carro a uns 20 metros da Cooperativa, pensando: "Quem diabo contratou esse som?", e continuei andando. Quando cheguei em frente ao Senac, descobri: a música vinha do Senac, que promovia alguma festividade. Superada a pequena dúvida entrei na Coojornat e fiquei por lá, conversando com um e com outro. Nisso, entram dois sujeitos que se dirigiram a mim e se "identificaram": um era "jornalista" e, o outro, "bancário".
 
Estranhei a visita por um motivo simples: o que um bancário teria de interesse numa cooperativa de jornalistas? Conversando com os dois, o bancário era o que mais perguntava. Expliquei que eu era o secretário da Cooperativa e falei do projeto como um todo. Então, o que se dizia jornalista quis saber se eu tinha o estatuto da Coojornat. Respondi que sim, mas o documento estava em minha casa. Rápido, ele perguntou: "Posso passar lá, para ver os estatutos?", eu respondi que sim e dei o endereço.

Os tipos agradeceram e foram embora. Minutos depois chega Dermi Azevedo e eu conto o caso, já sentindo que boa coisa não fora aquela visita. Dermi disse: "Barreto, você ficou doido? Isso é o SNI, Barreto."

Respondi: "Dermi, eu sei, rapaz. Mas, quem não deve não teme. Os caras vão lá em casa lá para as sete da noite.Vamos ver no que vai dar."

E Dermi: "Então, tome cuidado". E cuidado foi o que não deixei de tomar. Avisei a um cunhado que morava vizinho e mim; e à minha mulher, grávida de nossa segunda filha, alertei que iríamos receber um mal elemento. Feito isso começou a espera. Meu cunhado ficou na sala da casa dele esperando para intervir se fosse preciso, enquanto minha mulher estava trancada num quarto.

Devo dizer: não sei se a pouca idade - eu tinha 26 anos - ou a convicção de que nada fazíamos de errado, mas a palavra medo sequer me passou pela cabeça. Havia, claro, a certeza de que alguém muito mal intencionado viria, mas o enfrentamento não me causou qualquer abalo. Estava precavido, intimidado não. 

Pouco depois das sete o sujeito chegou. Subiu os degraus e eu o recebi. "Boa noite, boa noite. Vamos sentar", foi o diálogo inicial. O elemento sentou-se a meu lado e aí começou um ridículo interrogatório travestido de conversa. O treinamento do agente, um reles espião de baixíssima categoria, era básico. Limitava-se fazer perguntas que tentavam levar-me
a dar respostas de contestação à ditabranda, como se fosse ele um jornalista insatisfeito com o regime em confidência com um colega.

Exemplo: "A Cooperativa trabalha para quem?
Resposta: "Somos uma entidade, uma cooperativa de mão-de-obra intelectual. Prestaremos serviços de assessoria de imprensa e teremos um jornal próprio."

"Vão trabalhar também para o governo?"
Ao que eu disse: "Se formos contratados, por exemplo, por uma Secretaria de Estado para fazer assessoria de imprensa ou um jornal, um houve organ, sim."

E ele: "Mas, aí, vocês vão perder a independência."
Eu disse: "A finalidade da cooperativa não se resume ao jornal próprio. Queremos ampliar o espaço de trabalho da categoria, entende? E saiba que isso não vai interferir em nossa independência."

E a conversa seguiu nesse tom. Eu sabia que tinha de dar respostas exatamente opostas ao que ele esperava de mim. Ou seja: se concordasse com tudo o que dissesse contra o governo daria ao agente munição para fazer relatório dizendo que a Coojornat era mesmo um célula comunista perigosíssima. E nesse conto de vigário eu não iria cair. Então, dava respostas as mais cândidas possíveis. 

Percebendo que a tática investigativa tosca não estava dando certo, a abordagem pura e simples da atuação da Cooperativa, ele partiu para o ataque direto: começou a falar mal do ditador Ernesto Geisel. Para o investigador era a última cartada. O agora ou nunca. Fechei-me em retranca e em nenhum momento concordei com o que ele dizia. Afinal o homem desfechou um golpe fendente: "Esse presidente é um safado."

Não sei de onde tirei um argumento inesperado, mas sei que que desarmou o sujeito: "Acho que não. Pelo que soube, ele já foi secretário da Segurança no Rio Grande do Norte - e disse lá um ano qualquer - e, nessa época, um rapaz foi preso sob acusação de ser comunista. Depois, descobriram que o cara não era comunista coisa nenhuma e ele, Geisel, foi pessoalmente libertar o prisioneiro."

Mesmo assim o investigador não se deu por vencido: Disse: "É, mas tem uns assessores escrotos..." O "assessor escroto", para o agente, era o ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki que, se dizia, pensava em privatizar a Petrobras. O investigador disse isso com todas da letras: "Ele quer entregar a Petrobras." Aí eu comecei a ficar irritado com o nível sórdido da investigação e fui claro com o tipo: "Colega, você tem aí algum documento que prove que você é jornalista? Como você sabe, em nossa profissão tem muito picareta e dessa gente não gosto."

Ele respondeu: "Claro". E escandiu a palavra: "Claaaaaaaaaaaaaaaaaaaro!" Na sequência da resposta cometeu o erro que o desmascarou por completo: "É bom você me pedir o documento, amigo. Em nossa profissão tem muita infiltração. Nunca se sabe, né?"

Explicando: picareta, em jornalismo, é aquele cara que vive de expedientes, ganha propinas,  faz louvações, essas coisas. Infiltração, algo bem diferente. Era dito de pessoa de esquerda que atuava em qualquer ambiente visando difundir ideologia.

Pois bem: frente à resposta, fiz que sim com a cabeça e ele, pelo excesso de documentos apresentados, provou o que não era. Puxou do bolso uns dez documentos que o diziam jornalista: desde uma fajuta carteira de sindicato até uma autorização para cobrir visita presidencial à Paraíba estado de onde se dizia originário. Mostrou também carteira de radialista, noticiarista de não-sei-de-onde, repórter de jornal-fulano-de-tal, isso, aquilo, aquilo outro. 

Pronto, para mim, estava desmontada a farsa. Mas ele insistia: "Você me disse que tem os estatutos da cooperativa, não foi?
Eu disse: "Foi." E completei: "Por sinal, é idêntico ao da Coojornal, do Rio Grande do Sul, com pequeníssimas modificações relativas à realidade local."

Qual não foi minha surpresa quando ele disse: "Ah, mas se é assim, não quero."
"O quê? Não quer?", perguntei, já começando a me exaltar. "Não quer, porquê?"
Veja só a resposta: "Porque os estatutos da Coojornal nós - veja bem - nós já temos..."

Eu disse: "Um minuto." Saí um instante e voltei com o calhamaço na mão. "Pronto", disse. "O amigo veio buscar, o amigo vai levar." E quase atirei a papelada em cima dele. Acho que ali o agente viu que tinha perdido seu tempo: não iria levar nenhum relatório espetacular a seus maiores nem se jactar de haver descoberto um terrível complô comunista em Natal. 

Eu entreguei os papéis e fiquei de pé, grosseiramente de pé. Ele levantou-se, pôs o documento debaixo do braço, pediu desculpas pelo tempo tomado e já ia descendo as escadas para se perder na escuridão da noite, quando eu disse: "Noite dessas o amigo volta. Dessa vez vou lhe servir um cafezinho..."

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Equipe do Novo Jornal agredida e ameaçada de morte pelo empresário Augusto Caldas Targino, ex-diretor do Instituto de Pesos e Medidas
O áudio da agressão:

A Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte divulgaram nota de repúdio.

NOTA DE REPÚDIO

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Norte (Sindjorn) vêm a publico, repudiar as agressões verbais que a equipe do Novo Jornal sofreu na tarde desta terça-feira, (18), quando tentava conversar com o ex-presidente do IPEM, Mano Targino.  O repórter Rafael Duarte, o repórter fotográfico Ney Douglas e o motorista da equipe Clodoaldo Régis foram ameaçados de morte pelo empresário, que durante mais de 12 minutos prendeu-os em sua sala.

A Fenaj e a diretoria do Sindjorn destacam que durante o exercício da profissão, nenhum cidadão brasileiro tem o direito de coagir uma equipe de reportagem, muito menos, ameaçar, intimidar e ofender enquanto trabalha, utilizando a Constituição Federal como argumento, tal qual fez o senhor Mano Targino, apontado pela equipe de reportagem como o agressor (conforme segue em 3 anexos: áudio da agressão, a matéria sobre à agressão veiculada no Novo Jornal nesta quarta-feira (19) e o Boletim de Ocorrências (BO) que a equipe de reportagem fez na 3ª Delegacia de Polícia do bairro do Alecrim, em Natal.

O repórter/Jornalista Profissional Rafael Duarte, o repórter fotográfico Ney Douglas e o motorista da equipe Clodoaldo Régis contam com o total apoio da Fenaj e do Sindjorn,  na defesa da liberdade de imprensa e do livre exercício da profissão.

Por fim, exigimos que sejam apuradas as denúncias na forma da lei, para que denúncias deste tipo não voltem a ocorrer em nosso Estado, que no ano passado já foi palco de agressões contra jornalistas e até mesmo de homicídio, como o caso de F. Gomes, em Caicó, que foi assassinado porque apurava denúncias de compra de voto por drogas.

Que o Rio Grande do Norte não volte ao noticiário nacional como um Estado em que não há garantias de vida e muito menos segurança, para que os jornalistas possam continuar realizando o seu trabalho, defendendo o livre exercício da profissão enquanto fazem matérias, seja apurando denúncias, e/ou mostrando ao público os problemas que a população enfrenta no dia-a-dia.

Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Norte – Sindjorn
..

O Blog do Barbosa registra:

Sindjorn cobra providências sobre agressões

por Carlos A. Barbosa | janeiro 19, 2011 | Hora postada: 18:10
O  Sindjorn (Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte ) vai se reunir nesta quinta-feira (20), com o delegado Geral de Polícia do estado,  Ronaldo Gomes de Moraes. A direção do sindicato vai expor seu repúdio e cobrar atitudes cabíveis e punições ao último caso de ameaças e agressões sofridas por uma equipe de reportagem do Novo Jornal.
Memórias minhas: a fundação da Coojornat; a rebeldia satanizada

Em 1977, o país varrido pela ditabranda, a imprensa alternativa era uma forma de jornalismo que não se alinhava aos jornalões e traduzia um sentimento de insatisfação com o quadro dominante. Assim, sob a influência do Coojornal, publicação gaúcha que circulava desde 1974, um grupo de jornalistas resolveu lançar em Natal idêntica iniciativa. Éramos três: Dermi Azevedo, Arlindo de Melo Freire e eu, então com 26 anos. A proposta era uma cooperativa de jornalistas nos moldes dos colegas do outro Rio Grande. Mãos à obra, fomos ao Incra, então responsável pela implantação de cooperativas.
Dermi Azevedo

Logo de início, dois problemas: o Incra somente tinha experiência em coopetivismo tradicional. Jamais havia organizado uma cooperativa naqueles moldes: a produção de bens simbólicos; e dois: os setores ligados ao regime ficaram de olho por temer que aquele grupo tivesse malíssimas intenções quanto a lei e a ordem.

Não era nada disso, pelo menos não do jeito que a ditabranda pensava, mas o sistema se julgava no direito de suspeitar: Dermi já havia comido o pão que o diabo amassou nas mãos da ditabranda, Arlindo um intelectual católico militante em defesa da democracia e eu fichado por haver assinado documento que havia circulado nacionalmente, quando se cobravam explicações ao governo a respeito do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. 

Emanoel Barreto
Mesmo assim, sob a orientação competentíssima de um técnico do Incra, cujo nome não lembro, preparamos a documentação, a parte burocrática. O pessoal da Coojornal nos eviou seu estatuto e aqui fizemos pequeníssimas adaptações à realidade local. A ideia ganhou repercussão e força até que a 1º de outubro de 1977, um sábado, a Coojornat foi fundada no Instituto de Teologia Pastoral de Natal-Itepan, entidade da Igreja, à qual Dermi e Arlindo eram ligados. Creio que o jornalista Ubirajara Macedo, combatente histórico da ditabranda, já havia se integrado ao grupo.

José Mindlin
Ocupamos um salão e, pelas normas de instalação de uma cooperativa então vigentes, era preciso assim proceder: qualquer pessoa poderia tomar a palavra, declarar aberta a reunião, dizer dos seus propósitos, e apresentar uma chapa de presidente, vice e secretário. Eu fui essa pessoa. Ali também estava a figura respeitável do bibliófilo José Mindlin, figura paradigmática de resistência à ditabranda; um desses liberais sublimes - como o deputado federal Djlama Marinho -, a ter coragem de se opor ao estado de coisas vigente. 

Cumpridas as formalidades, estava fundada a Coojornat; a chapa, eleita por aclamação. Começava aí a saga da Coojornat, uma entidade que cumpriu com o seu papel durante a ditabranda. 

A ideia que nos movia, ao contrário do que se poderia a princípio imaginar, não era a fundação de um aparelho, um sistema de contestação violento ou algo assim. Na verdade, queríamos fazer jornalismo e abrir espaço de trabalho para o jornalista, publicando não apenas um jornal, que teria o nome de Coojornal, mas também prestando serviços na área de house organs. O Coojornal seria nossa âncora ideológica, denunciando a ditabranda. As demais publicações assegurando espaço de mão-de-obra e garantindo recursos adicionais à manutenção do jornal. 

Mesmo assim, surgiu em torno da cooperativa um tal clima de terror, uma tamanha expectativa denuncista e acusatória que a cooperativa foi satanizada e os órgãos da repressão terminaram por fazer-me uma visita em casa, com um ridículo agente tentando se fazer passar por jornalista.
(Continua)
Criacionismo tosco e evolucionismo rústico

Um dia o Cão perguntou a Deus se Deus queria caçar e Deus disse que não porque não queria caçar com o Cão. Preferia caçar com gato. Foi assim que surgiram os felinos. Depois a cobra, que era horticultora e fruticultora quis exportar para fora do Éden, mas era proibido porque os chineses dominavam esse mercado. E foi assim que nasceram Adão e Eva, os primeiros contrabandistas. Sua pena de prisão foi a expulsão. E assim foi criada a Terra e Adão e Eva ficaram presos na Terra para sempre. 

Como Adão e Eva eram judeus Alá não gostou disso e criou Osama bin Laden que se encarregou, juntamente com Hitler, de acabar com os os judeus. Enquanto isso, os americanos jogaram uma, uma não, duas bombas no Japão e, antes disso, com a ajuda dos russos, acabaram com Hitler. 

Resultado: os judeus, hoje, atacam os palestinos e os americanos procuram outro país onde jogar mais bombas. Só precisa uma desculpa...

Desta forma está contestado o criacionismo e as espécies deixaram de evoluir. É por isso que ainda não surgiu o Homem sobre a face da Terra. O que existe hoje não é humanidade. É tudo, menos humanidade.
O Bem Amado: remake insosso e fora de época

Um remake desesperado, uma busca inencontrável. Nem todo o talento de Marco Nannini conseguiu chegar aos pés da interpretação de Paulo Gracindo na série original de O Bem Amado. Um lamentável equívoco da Globo em termos de inserção em sua grade. 

O texto de Guel Arraes sequer consegue acompanhar os rastros da redação inigualável de Dias Gomes, os neologismos escrachados, a revelação, pelo discurso do dia a dia, de como pensa e age um corrupto, o prefeito Odorico Paraguassu em sua ânsia de construir um cemitério. 

Odorico é a metáfora perfeita da cena política brasileira, uma síntese do nosso pensamento político, suas indignidades e podruras. Mas foi criado no tempo certo e apresentado no contexto exato. Agora não. Mesmo persistindo a essência da canalhice política, o momento histórico é outro e o personagem é inegavelmente datado. 

A divisão do filme em quatro episódios, com 26 minutos a mais do que a trama exibida nos cinemas, não salva a caricatura de ser apenas isso, caricatura. A série O Bem Amado é parte do patrimônio da cultura de massa, é algo cult, obra-prima, um achado. Copiá-lo é incorrer em erro grosseiro. E foi isso o que aconteceu.

Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces


Calamity Jane
http://www.google.com.br/images?hl=pt-br&client=firefox-a&hs=HrE&rlz=1R1GZEV_pt-BR___BR406&q=jane+calamity&um=1&ie=UTF-8&source=og&sa=N&tab=wi&biw=1016&bih=573&uss=1
RESPONSABILIDADE SOCIAL
O desvelamento de Paulo Freire


Por Alfredo Vizeu e Heitor Rocha em 18/1/2011

O jornalismo é um campo de conhecimento. Não há a menor dúvida sobre
isso. A questão é: que tipo de conhecimento? Há muitos anos teóricos
vêm refletindo sobre o tema. Em comum, todos defendem que o jornalismo
deve ter a preocupação de contribuir para a orientação no mundo. O que
de certa forma o coloca entre algo além do senso comum e próximo do
rigor científico.

Particularmente, entendemos que Paulo Freire fornece uma série de
trilhas e caminhos para pensarmos o jornalismo e tem muito a nos
ajudar. Vamos seguir seu caminho e apropriar-nos de suas reflexões
para pensar o jornalismo como uma forma de conhecimento. Conhecimento
que é um revelar. O papel social do jornalista e do jornalismo como um
dispositivo de mediação é de dessegredação (revelação de segredos) e
exposição da verdade. Acrescentamos: a "verdade jornalística". Dentro
desse contexto, a preocupação do jornalismo é a interpretação da
realidade social. Não é preocupação do jornalista, não deve ser, o que
acontece na intimidade das consciências nem na profundidade do
inconsciente.

Como observa o professor espanhol Lorenzo Gomis, catedrático da
Universidade de Barcelona, a interpretação jornalística contribui,
permite, decifrar pela linguagem a realidade das coisas, o que
acontece no mundo e se complementa com o esforço de significação,
também interpretativo, procurando ajudar homens e mulheres na
compreensão do mundo que os cerca. Evidentemente, para desempenhar
esta sua missão mais nobre, o jornalismo não pode prescindir de sua
dimensão educativa, se constituindo em instrumento para construção de
um mundo melhor, para usufruto de uma vida menos ameaçada.

A ética é da essência dos procedimentos jornalísticos

Nessa perspectiva, a desvelação dos fatos ? a retirada do véu que
envolve as tensões e os conflitos da realidade ? proposta por Paulo
Freire é de fundamental importância na investigação jornalística.
Desvelamento que está intimamente ligado à tomada de consciência. Isso
porque, como observa Freire, a conscientização produz
desmitologização. O trabalho do jornalista deve ter como centralidade
"tirar o véu que encobre a realidade", sem a pretensão de acesso à
verdade absoluta e com a humildade da consciência que se sabe falível,
pois a onisciência não é uma possibilidade humana. Como enfatiza
Freire, o trabalho humanizante não pode ser outro senão o de ampliar o
diálogo. Nesse sentido, o olhar da conscientização é o mais crítico
possível das facetas do mundo da vida, procurando contribuir para o
desvelamento da perversidade do processo de alienação que transforma o
ser humano, potencialmente sujeito da sua história, em coisa,
mercadoria com valor de troca, cada vez mais aviltado pelo discurso
naturalizador das elites dominantes, que continua mantendo a ilusão de
uma realidade imutável, inexorável, que não tenha a autoria humana e
não possa ser transformada.

Dentro desse contexto, a realidade a que se refere a interpretação
jornalística é a realidade social possível no cenário das estruturas
de relevâncias existentes e, assim, o jornalismo se constitui num
lugar de referência e orientação para que as pessoas participem das
coisas que acontecem no mundo, podendo fundamentar racionalmente suas
ações mesmo diante da crescente complexidade da sociedade contemporânea.

Por isso, acreditamos que a seriedade e a competência do jornalista no
processo de produção da notícia são fundamentais para a qualidade do
jornalismo. O jornalista que seja tentado a abrir mão do rigor do
método esquece o respeito ao outro. Se há rigor no método de
investigação no jornalismo, a notícia se aproxima da universalidade e
se faz inteligível e inclusiva para o maior número possível de
pessoas, através de uma postura ética diante da diversidade de versões
que formam a realidade dos acontecimentos. A ética é da essência dos
procedimentos jornalísticos. Por isso, é importante refletirmos sobre
a responsabilidade do jornalismo na sociedade atual, em particular na
nossa, com seus grandes abismos sociais.

Observatório da Imprensa 18/01/2011

 Reproduzo artigo do professor José Antonio Rocha:

via Meira da Rocha de José Antonio Rocha em 18/01/11
A prova do crime: números IP são da telecom, não do provedor. A prova do crime: números IP são da telecom, não do provedor.
As empresas jornalísticas da velha mídia, rápidas em divulgar “iniciativas cidadãs” como a bobagem descontextualizada do Impostômetro, não movem uma letra em favor do cidadão contra um crime de bilhões de reais: a exigência de provedor para acesso à internet por ADSL. O motivo do silêncio é muito simples: as empresas jornalísticas, através de seus portais, são cúmplices do golpe contra o consumidor porque ganham assinantes. Embora os portais tenham de pagar uma taxa às teles para participar da maracutaia, sua base de assinantes seria bem menor sem a obrigatoriedade ilegal.

As telecoms dizem que a assinatura de “provedor internet”, através de autenticação no momento em que se inicia a conexão,  é necessária quando se contrata acesso à internet por ADSL.
Mentira.

Basta se usar o comando “router” dos sistemas operacionais para se verificar que o tráfego do usuário não passa em nenhum momento pelos “provedores”. Os números IP do modem ADSL também mostram que o IP designado aos usuários, o IP gateway (a porta de entrada à internet) e os servidores de nomes ((DNS) também não são dos “provedores”, são da própria telecom. Tecnicamente, os provedores são desnecessários. Tanto, que o acesso por cabo de TV não usa este golpe.

Eventualmente, as telecoms dizem que a Anatel exige o provedor. Outra mentira. Uma simples ligação ao telefone 133 da Anatel pode confirmar que a agência reguladora não exige nada de “autenticação” ou “provedor”. Anatel diz que não regula esta matéria e isto é uma exigência contratual das telecoms.
Temos aí várias violações à Lei 8.078 de 1990, o “Código do Consumidor”:
  • Informação enganosa na hora da venda. As telecoms dão um preço pelos planos de acesso, mas não divulgam o preço total, incluindo a autenticação obrigatória pelo contrato, sem a qual não se poderá obter o acesso. Viola o artigo 31: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas [...]“. Também o artigo 39, inciso IV: “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.
  • Venda “casada”. Viola o artigo 39, inciso I: “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço [...]“.
  • Venda de serviço desnecessário. Vender uma autenticação desnecessária viola, no meu entender, o artigo 6º: “São impróprios ao uso e consumo: [...] III. os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.
Ao longo dos anos, os consumidores têm sido obrigados a recorrer à Justiça para valerem seus direitos. Em 2008, uma liminar deu aos usuários do Paraná o direito de acesso à internet sem provedor, mas a  liminar caiu em 2010.

Segundo a Teleco, existiam 8.641.000 assinaturas ADSL no Brasil, em 2010. O preço mais barato do “provedor” é de cerca de 10 reais por mês. Então, as telecoms estão subtraindo dos brasileiros, muito por baixo, 86 milhões de reais por mês, UM BILHÃO  de reais por ano.
E os grandes portais de notícias são cúmplices deste saque. Mas isto nós nunca veremos nos noticiários da velha mídia.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A crônica que não escrevi ou de como conversar com a Morte
Emanoel Barreto

A crônica que não escrevi ficou embaralhada em meio aos papéis, letras, palavras, arquivos desarrumados que se acumulam em minhas mãos e por algum motivo não conseguem fluir pelos toques no teclado, seja da antiga máquina, seja do computador, essa pequena, ladina, vaidosa e irascível fera, pequinês zanho que às vezes me aborrece com seus truques de não obedecer.

A crônica que não escrevi transformou-se na crônica-que-não-escrevi porque está se ajuntando letra a letra na tipografia das mãos à procura de um instante-gutemberg. A crônica-que-não-escrevi é um momento manso, calmo como chuva que passou, pingo a pingo na goteira de meus dedos de caranguejo.

A crônica-que-não-escrevi é sábia, entende a espera, a maturação da Vida, porque sabe que as grandes coisas somente são feitas nos instantes finais - senão todas, pelo menos algumas delas. A crônica-que-não-escrevi talvez somente chegue quando eu estiver muito, muito, muito velho - se tiver tempo para envelhecer mais do que sou. Talvez somente se aproxime quanto eu estiver vendo fantasmas, conversando com espectros e chame a Morte de amiga e lhe dê o braço para caminharmos falado das coisas de Júpiter. Ela me explicando como me mover no Hades, a moeda no bolso para pagar Caronte.

A crônica-que-não-escrevi talvez somente fique pronta quando este velho estiver vestindo a armadura pesada de gladiador, pesada demais para um velho, mas necessária para quem vai à liça, empunhando o gládio e entrando na arena radiosa de sol de luz enlouquecida, os olhos cegos de tanta beleza solar, pronto para o último combate. E direi então à minha crônica: "Avante Amiga, honra e força!" E partiremos, eu e a minha crônica, para o espaço largo da arena e então faremos a saudação protocolar, soturna e grandiosa de todo gladiador: "Ave César, os que vão morrer de saúdam".