sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces Faces

Doris Day
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Recebi do leitor Rafael o seguinte comentário em relação a matéria que publiquei, abordando situação de menino pobre que não fora atendido em hospital particular mesmo a Prefeitura assumindo o ônus desse atendimento.

Emanoel, muito bom o seu texto/desabafo/crítica. Discordo apenas do tom dado à prioridade pelo paciente particular. Temos que lembrar que o PAPI é um hospital privado que deve, pois, arcar com todos os custos de energia, água, equipamentos, medicamentos, materiais e mão de obra. Supondo que a outra criança estivesse em quadro de igual gravidade, necessitando também daquele leito de UTI, não vejo mal em priorizar o cliente, que é quem paga estas contas que citei. O que não podemos é, de forma maniqueísta, começar a culpar instituições privadas que há anos salvam as vidas de mais de 400.000 pessoas que têm convênio ou podem pagar por atendimento médico em Natal pelo descaso que as autoridades locais local praticam em relação aos 500.000 que não podem arcar com aquilo que é obrigação do governo oferecer de graça.
Rafael.
...

Caro Rafael,

O maniqueísmo do meu texto é mais aparente que real. Explico: quando a Prefeitura tentou levar o menino a atendimento hospitalar fica implítico que arcaria com as despesas. Isso, imediatamente, equipara os dois pacientes, se o parâmetro for apenas a questão monetária. É claro também que o cliente particular tem direito, uma vez que vem pagando mensalmente para ter assegurado esse direito. Não culpo a iniciativa privada por suprir uma obrigação do Estado. Questiono a mercantilização da medicina, que leva instituição hospitalar a fazer a opção preferencial pelos que compram o serviço. Sei que, colocada assim, a questão assume aspecto controverso de conquista de direitos e a necessidade de ser a saúde bem imaterial de todo cidadão.

Vejamos agora por outro aspecto: e se tivessem chegado ao mesmo tempo dois pacientes particulares, como seria? Aí também o hospital, como o serviço público, estaria em falta, uma vez que somente dispunha de um leito, quando deveria estar apto, por suposto empresarial, a atender a urgências e emergências ocorridas ao mesmo tempo. Percebe  a essência do que proponho? Nesse caso, a questão do menino pobre que não foi atendido está completamente excluída, pois estariam em literal disputa dois pacientes particulares com idênticos direitos. E o hospital estaria deixando de cumprir com o contrato com um dos pacientes.

Grato pelo texto enviado e pela forma elegante como me contestou. 


Um menino pobre, um engasgo e uma vida posta em risco

Leio no blog Abelinha.com, de Eliana Lima:

Na falta de UTI Pediátrica nos hospitais do Estado, e de atitudes para providenciar, a Prefeitura de Natal entrou em campo para salvar a vida do menino Matheus Brito da Silva, 3 anos, que estava na UPA do Pajuçara necessitando urgentemente de ser transferido para uma UTI.

Na primeira hora desta sexta-feira (18), 1h, Matheus foi transferido numa ambulância do Samu para uma UTI no Hospital Antônio Prudente, do Hapvida.

Antes, o secretário Thiago Trindade tentou no Papi, mas a única UTI disponível foi à preferência de particular que chegou em estado grave. Caso não desse certo no Hapvida, já se estudava a instalação de uma UTI improvisada no Hospital Walfredo Gurgel, conforme informou ao blog, noite de ontem, o secretário de Comunicação da Prefeitura, jornalista Jean Valério.

Mas a demora pode ter sido faltal para Matheus. Seu estado se agravou. Muito grave. A demora para a transferência pode resultar na sua partida. Apenas três anos, antes saudável e cheio de vida para brincar, o que, aliás, gostava e fazia bastante.

Matheus estava bem atendido na UPA, entubado, respirador adequado, mas necessitava de uma UTI e de acompanhamento neurológico. Como a unidade não dispõe de médico neurologista, em nenhum momento ele foi observado por um. Precisou passar por tomografia computadoriza, não não houve possibilidade para fazê-lo no Walfredo. E desde quarta-feira que sua vida – alertada por várias vezes neste blog e no twitter.com/elianalima – corria sérios riscos. Mas o socorro necessário não chegava. Apenas na madrugada desta sexta.

Matheus engasgou-se com um caroço de pitomba, ficou asfixiado, teve parada cardíada e foi atendido a tempo pelo Samu Natal. A partir daí começou mais um processo de angústia e desespero dos profissionais do Samu. Motivo de sempre, de todos os dias: falta de UTI nos hospitais públicos. A solução foi encaminhá-lo para a UPA do Pajuçara, onde foi bem atentido, mas sem UTI e neurologista, insuficiente para salvar sua preciosa vida em desenvolvimento.

Agora é rezar e esperar que um milagre faça Matheus voltar à vida de antes.
Em tempo: o problema de engasgo  é um dos maiores vilões que ceifam vidas de crianças. Muitas vezes por falta de orientação dos próprios pais. É passada a hora das autoridades de saúde pensarem, e realizarem, uma campanha de prevenção contra o engasgo.
...........
É aí onde bato na tecla: Natal precisa de um estádio de futebol para a Copa de 2014, quando se realizarão jogos de segunda categoria, ou de UTIs em hospitais públicos? Nem preciso responder. Se as autoridades tivessem mesmo o compromisso que alegam ter com a sociedade, o caso desse menino possivelmente já teria sido solucionado. 

E quanto refiro a autoridades não me dirijo às atuais prefeita ou governadora.  Incluo todos os que as antecederam. Autoridade, digo, em seu  sentido histórico, Poder Público. atuante, proativo. Esse problema é antigo e jamais enfrentado com a decisão política  necessária e enérgica em busca de solução.

A jornalista detalhou, ademais, aspecto estarrecedor: o menino, pobre, deixou de ser atendido em favor de paciente "particular".

O que se vê então, até o momento em que redijo, é uma situação dramática, em que a Prefeitura busca uma solução emergerncial. Louvável, mas emergencial. Tentei falar com o secretário de Comunicação da Prefeitura, Jean Valério, mas a ligação caiu na caixa postal. Deixei recado e aguardo resposta. 


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Deu no Observatório da Imprensa:

Falta alguém na guilhotina
Por Alberto Dines em 15/2/2011
A mídia está acompanhando, mas não está conseguindo flagrar e avaliar todos os desdobramentos da Operação Guilhotina desencadeada na sexta-feira (11/2) pela Secretaria da Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Polícia Federal e Ministério Público.
Foi o maior golpe já desferido contra a corrupção policial no país: foram presos 35 agentes (civis e militares) e quatro delegados, entre eles o ex-subchefe da Polícia Civil do Rio, que até a véspera era subsecretário de ordem pública do município. O próprio chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, foi imediatamente convocado para depor na PF como testemunha. Não caiu, mas dificilmente conseguirá recompor a imagem e superar o desgaste. [N.da R.: O delegado oficializou sua renúncia ao cargo no fim da manhã de terça-feira (15/2)]

Os acusados estão envolvidos no tráfico de drogas, de armas e, sobretudo, na montagem de uma formidável rede de proteção aos barões do crime organizado.

Sem entender
A guilhotina poderia ter sido acionada antes, em seguida à espetacular operação de reconquista da Vila Cruzeiro e do Morro do Alemão, no final de novembro passado, quando só foram pegos os "pés de chinelo".

Naquele momento de euforia, o antropólogo Luis Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, soltou uma série de provocações para sacudir a mídia da perigosa simplificação que reduzia a questão da segurança ao confronto policial versus bandido. Para ele, o crime organizado não está apenas nos morros e favelas do Rio; está em São Paulo, Curitiba, no elaborado sistema de lavagem de dinheiro dos paraísos fiscais e nos esquemas de corrupção no aparelho do Estado brasileiro que os protegem (ver, neste Observatório, "A empáfia cega a mídia").
A mídia não quis entender ou fingiu que não entendia as convocações de Soares. Nem se abalou em dar seguimento a uma inocente informação na primeira página do sisudo Valor Econômico – prontamente amplificada neste Observatório da Imprensa – sobre o funcionamento do LAB-LD (Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro) junto a Polícia Civil e cuja principal façanha resultara apenas na prisão da companheira do traficante Polegar (ver "Software acha ‘máquinas’ de lavar dinheiro").

Dois meses
O pífio resultado dessa sofisticada força-tarefa evidenciava uma tremenda malfeitoria da cúpula da Polícia Civil: ao invés de localizar e prender a elite do narcotráfico e desbaratar o esquema de lavagem de dinheiro, os agentes acharam mais rentável chantagear os mafiosos.

O assunto foi tratado no programa de TV deste Observatório exibido em 7/12/2010 (ver "Os poderosos chefões"), quando a grande mídia foi insistentemente cobrada. Continuou inabalável e imóvel.

O LAB-LD da Polícia Civil do Rio não mereceu qualquer atenção além da discreta matéria do Valor Econômico. Nosso jornalismo investigativo só trabalha com vazamentos – e como nada vazou, ninguém se mexeu
e nada foi apurado.

Dois meses depois está evidente que os capi do narcotráfico escaparam do cerco. Resta o consolo de ver guilhotinado o esquema de corrupção da Polícia Civil que os chantageou e depois liberou.
Esta é uma história que deveria ter sido contada pela mídia. E não pelos seus críticos.
Na Globo, um rapazola abusado; no comercial, peitos de bundas

A coluna Outro Canal, da Folha, assinada por Keila Jinemez, diz: 
André Muzell /AgNews
O famoso vlogueiro (que faz vídeos na internet) Felipe Neto é nova aposta do esporte da Globo.
Sucesso na web, com 18 milhões de visualizações de seu canal de vídeos no YouTube, o rapaz de 23 anos vai ganhar quadros no "Esporte Espetacular" e no "Globo Esporte" de São Paulo.
Felipe, que já fez um programete no Multishow no ano passado, foi convidado por Tiago Leifert, apresentador do "Globo Esporte", que o viu na internet.
Na Globo, o vlogueiro seguirá a linha de comentários ácidos bem-humorados que o tornaram sucesso na web, só que voltados ao esporte.
......

Não estava entre os 18 milhões que haviam visto a performance do rapaz no Youtube. Mas, depois de ver a matéria da Folha passei por lá. Pelo que vi, tenho impressão de que pode não dar certo. Por um motivo simples: o digamos assim, programa que ele apresenta no YouTube, é tipicamente uma atração teen: um garoto abusado, fazendo comentários superficiais, cheio de uma certa arrogância banal e narcísica. Deve ser um sucesso entre as meninas, mas não creio que se possa dizer o mesmo quanto ao público masculino, audiência sem dúvida predominante no Globo Esporte e Esporte Espetacular. 

Outra coisa: quanto aos milhões de acessos ao vlog, a Globo deu-se ao trabalho de pesquisar qual o público? Ou melhor, qual o segmento de público que atraiu? O torcedor típico, masculino, que leva futebol a sério como se fosse coisa sagrada, estaria interessado em ver alguém, que não é jornalista, que não tem tradição em comentar futebol, brincando com o resultado de uma partida? 

Um torcedor do Flamengo, do Corinthians, só para ficar com os dois times mais queridos, aguentaria, depois de uma derrota, ouvir comentários de um rapazola achincalhando com seus ídolos, e pior, fazendo isso só pelo prazer de estar aparecendo na TV e mostrando sua carinha? Qual a conexão que um personagem assim teria com a fração de público que pretende atingir? Parece que isso não foi levado em conta.

A decisão da Globo lembra-me comercial de TV anunciando a coleção de lingerie da De Millus para 1988, onde lindíssimas mulheres só de calcinha e sutiã encenavam disputa de futebol contra homens vestidos de calça preta e camisa branca. Tecnicamente o filmete era perfeito: as modelos, divas; os enquadramentos e planos, magníficos; em câmera lenta, as imagens salientavam os dotes das moças, o suave balouçar das carnes de jovens fêmeas superando os machos que faziam faltas e eram driblados de forma sensacional. A música de fundo era aquela, a famosa, que se ouvia nos saudosos filmes do cinejornalismo do Canal 100. 

Tinha tudo para dar certo, não tinha? Tinha tudo para garantir sucesso de vendas. Mas não deu nem foi sucesso. Simplesmente por isso, segundo li em um estudo a respeito do comercial: a peça fora feita a partir de um olhar masculino, colocando as mulheres como objeto e deixando assim de atingir o público-alvo. A falha do roteirista incidiu exatamente no fato de utilizar da sensualidade feminina como algo a ser exibido à cobiça sexual dos homens, deixando de lado o olhar da consumidora, público-alvo da campanha. Aí a falha: detalhe negativo sutil de peça publicitária bem programada visualmente mas equivocada na essência da mensagem.

Tanto que o texto de encerramento do clipe diz: "Seleção De Millus 88: os homens estão perdidos". Revela-se aí a proposta que resvalou a seu propósito: as mulheres estariam vestidas, ou semidespidas, para os homens, para atrair seu olhar, para ser objeto de desejo e submissas à posse de seus corpos capturados pelo masculino. Não para seu conforto pessoal, elegância íntima, auto-estima. A campanha foi um fracasso, apesar de ter encantado o olhar másculo, dizia o estudo.

Creio que com o rapaz a Globo incide em erro idêntico: não creio que haverá empatia do rapazola com esse segmento de público masculino. Para falar de esporte lhe faltará autoridade, seriedade, tradição midiática. Como o futebol neste país foi tornado coisa séria, brincar com ele pode ser perigoso.

Veja abaixo o filmete da De Millus

comercial antigo. Futebol De Millus

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011


Ser repórter
Emanoel Barreto

No Dia do Repórter, aos meus alunos, dedico. E àqueles que sabiam e me ensinaram.


Se repórter é estar desconfiado. Sempre.
E desse sempre não ser nunca omisso.  

É ser gravemente humano perante a desumanidade lancinante.

É dar tudo por uma matéria que o dono do jornal, ele sabe, vai cortar. Mas faz.

É correr riscos. É investigar sem poder prender o bandido de colarinho branco.

É ser lúcido. Jamais pensar em ser herói, porque notícia também é um negócio, é lucro. Mas também não pode ser covarde. Porque o salário do medo é a vergonha mais íntima.

Ser repórter é ser o sábio do improviso, aquele saber de um segundo. E por isso mesmo deve ser comedido, porque há sempre uma descoberta a mais.

Ser repórter só sabe quem é repórter.
E por mais que eu diga aqui o que é ser repórter, 
somente um repórter saberá o que é ser repórter.

Nina Simone - July Tree

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Nina Simone
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Vereadores são um caso de police

Diz o Estadão:
SÃO PAULO - O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador José Police Neto (PSDB), anunciou na tarde desta quarta-feira, 16, que o reajuste salarial de 61% a ser concedido aos parlamentares a partir de 1º de maio será depositado em uma conta judicial.
A medida é uma resposta à recomendação do Ministério Público de São Paulo para que a mesa diretora suspendesse o aumento salarial, conforme o Estado revelou hoje.

Com base em decreto legislativo de 1992, a Câmara anunciou no mês passado que replicaria aos 55 parlamentares reajuste aprovado em dezembro pelos deputados federais. Isso faria com que o salário de um vereador saltasse de R$ 9.800 a R$ 15.013 - o equivalente a 75% dos vencimentos de um deputado estadual.

A Promotoria do Patrimônio Público e Social da capital abriu inquérito civil para apurar suspeita de que o aumento replicado aos vereadores de São Paulo é inconstitucional.

....
É realmente um caso de police. Os vereadores, sem qualquer justificativa, legal, moral ou trabalhista, se autoconcedem esse aumento. O caso em si é lamentável e revoltante, mas, mais que isso, é indício de como funciona o que chamamos de política nesse país: um grupo de privilegiados que se faz eleger e em nome do povo começa ou continua a se enriquecer.

Por que digo "se fazem eleger"? Muito simples: o voto não é um direito; o voto é uma obrigação. Direito presume que eu o exerça ou não dentro de um determinado quadro jurídico. O direito é uma faculdade do cidadão. Se lhe é imposto passa a ser obrigação, passível de punição quando infringida a lei que a estabelece enquanto tal. 

Tenho a obigação de respeitar a vida, tenho a obrigação de agir de forma honrada no exercício profissional, tenho a obrigação de não fraudar, de educar meus filhos, etc... etc... etc... O voto não-obrigatório, aí sim, seria um direito. Tal medida poderia permitir que, pelo absenteísmo consciente, surgisse um grande movimento de sociedade civil repudiando a corrupção na política e, por consequência, os políticos corruptos. 

Com um baixo índice de votação os eleitos não teriam legitimidade. Os atos criminais dos políticos ganhariam maior expressão na mídia, uma vez que a sociedade já havia advertido, pela ausência do voto, quanto ao perigo de sua eleição. 

Os escândalos políticos já se tornaram coisa comum, coisa do normal, estão naturalizados. Isso anestesia o cidadão, que de há muito está convencido de que "é assim mesmo", tal o nível da impunidade. Os vereadores de São Paulo já mostraram que são um caso de police. Mas, é assim mesmo, não é?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ronaldo e o heroísmo midiático

O jogador Ronaldo agiu taticamente ao anunciar que abandona os gramados. Com sérios problemas físicos, chamado muitas vezes de "gordo", tomou a decisão certa: antecipou-se ao assédio da imprensa, às cobranças que o levariam a um final senão humilhante pelo menos vexatório: o confronto impiedoso do que é com o que fora. Sair em tal circunstância teria o gosto amargo de estar sendo atirado para fora; tomando a decisão de retirar-se virou o jogo, e todos os jornalistas que o acusariam passaram a cantar loas ao "fenômeno".

Eduardo Knapp/Folhapress
O ato de Ronaldo foi tipicamente um acontecimento de mídia, aquele que somente se dá por causa e para o sistema de informação. Na coletiva que convocou para fazer o anúncio, o declaratório assumiu conotação dolorosa. O discurso pungente deu o tom existencial e trágico-glorioso ao episódio, mostrou o sofrimento do herói, o mito trazido à condição humana e isso o engrandeceu ao olhar da mídia. 

Quem é grande, entrando em decadência, passa a ser comparado com o que foi, e como não se perdoam os heróis de mídia, passa a ser "culpado" de ter envelhecido ou algo assim. Isso já estava sendo feito. Na imprensa nacional e em outros países.Saiu bem e saiu na hora certa; com uma espécie de solenidade tocante marcou sua despedida. E assim remiu-se da culpa midiática usando, e muito bem, os artifícios da própria mídia. Talvez tenha sido a sua melhor jogada.

Deu na Folha:

Site anuncia descoberta da receita de Coca-Cola

DE SÃO PAULO
Os ingredientes da bebida mais famosa do mundo parecem não ser mais um "segredo de Estado". De acordo com publicação do site "The Telegraph", a receita criada em 1889 pelo farmacêutico John Pemberton, leva 16 ingredientes agora revelados pelo site norte-americano "This American Life".
A descoberta teria surgido com a afirmação do site de que havia descoberto uma lista em uma fotografia de um artigo de jornal que dá os ingredientes e quantidades exatas para fazer a bebida.
RicFeld/AP
Segundo o "Telegraph", a receita da Coca-cola, criada em 1889, leva 16 ingredientes
  Segundo o "Telegraph", a receita da Coca-cola, criada em 1889, leva 16 ingredientes
Na edição do Atlanta Journal-Constitution, de 8 de fevereiro de 1979, há uma imagem de alguém segurando um livro aberto com a receita exata de Pemberton.
Nenhuma publicação foi categórica em afirmar a autenticidade do achado histórico, mas a receita supostamente contém as medidas exatas de todos os óleos e ingredientes necessários para colocar um fim ao maior segredo da marca Coca-Cola.
A RECEITA SECRETA
3 dracmas de extrato fluido de coca
3 onças de ácido cítrico
1 onça de cafeína
30 açúcar ( mas não está claro a partir das marcações que quantidade é necessária)
2,5 galões de água
2 1/4 pints de de suco de limão
1 onça de baunilha
1,5 onças de Caramelo
7 vezes de sabor (use 2 onças de sabor para cada 5 galões de xarope)
8 onças de álcool
20 gotas de óleo de laranja
30 gostas de óleo de limão
10 gotas de óleo de noz-moscada
5 gotas de coentro
10 gotas de neroli
10 gotas de canela
MEDIDAS
As unidades seguem a métrica norte-americana. Veja os valores da métrica brasileira equivalente abaixo:
Onça fluída, líquida = 28,4123 ml
Galão = 3,785 litros
Dracma = 3,552 mililitro
Pint =0,568 litro

domingo, 13 de fevereiro de 2011

John Lee Hooker: Boom boom

Chuvinha boa, deixe meu neto olhar você
Emanoel Barreto

Chuvinha bonita e brincalhona molha as ruas e chãos de Natal. Uma chuva menina, que brinca de água e se espalha e molha as plantinhas pequenas e árvores grandes, árvores jovens ou árvores já avós, presença silenciosa a observar a passagem das horas e dos homens.

Chuvinha boa, fique mais um pouco, deixe meu neto olhar você, deixe eu olhar meu neto olhando você. Deixe eu inventar de ser menino e ele inventar que você está aprendendo a escrever o inverno de que o sertão gosta tanto gosta.
Quando é melhor morrer

A eutanásia é assunto que divide opiniões, levanta questionamentos éticos, jurídicos e religiosos, todos interligados de uma forma ou de outra. Eutanásia vem do grego euthanasía "morte sem sofrimento", por oposição a distanásia, também do grego dusthánatos, "que tem morte penosa, lenta", diz o Houaiss. Assim, quem pratica a eutanásia o faz por questões humanitárias frente a situação de doença irreversível, com padecimento intenso do doente. Encontrei essa matéria na Folha, depoimento pungente de mãe que, ante quadro insuportável de dor do filho, deixou que se fosse. Segue.

MINHA HISTÓRIA LÚCIA HELENA FRANÇOSO, 44

Decisão em Família

(...) Pressenti que o Natal passado seria o último do meu filho (...) Decidimos não reanimá-lo caso o coração dele parasse (...) Fiquei segurando a mão dele, beijando-o até o coração parar de vez

Marisa Cauduro/Folhapress

Lúcia Françoso, 44, (de azul) mãe de Felipe, e sua irmã, Dulce dos Santos Machado

RESUMO
Durante quatro anos, o jovem Jeferson Felipe Françoso, 23, de Guarulhos (SP), lutou contra uma doença crônica incurável e uma infecção que devastaram os seus pulmões.
Quando ele já estava entubado na UTI, respirando por aparelhos, sua mãe, Lúcia Helena Françoso, com apoio da família, autorizou que os médicos não o reanimassem caso ele sofresse uma parada cardiorrespiratória.
No último dia 4, às 20h48, o coração de Felipe parou. Morreu na presença da mãe e da avó.

(...) Depoimento a
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Meu filho começou a ficar doente aos 16 anos, logo depois que o pai morreu, de câncer no reto.
Sofria pneumonias seguidas e, aos 19, descobrimos que era fibrose cística [doença genética que pode causar infecção crônica]. Ele também tinha uma bactéria resistente [Mycobacterium abscessus] nos pulmões.
Durante seis meses, o Fê ficou com um cateter por onde recebia os antibióticos para combater a bactéria.

Por causa dos remédios, perdeu a audição. Isso o deixou desanimado com o tratamento. Não tinha melhora dos sintomas e também não podia estudar, jogar bola.

Ele começou a faculdade de administração e um curso de desenho, mas não conseguiu terminá-los. Eram antibióticos, inalações, injeções de enzimas diárias e mesmo assim as crises de tosse e de falta de ar não davam trégua. Ele sentia falta de ar até para tomar banho.

Em agosto de 2010, o Fê começou a piorar. Pesava 44 kg e media 1,80 m. Passava 20 dias no hospital e uma semana em casa.
Foi quando começamos a ser acompanhados pela equipe de cuidados paliativos do Samaritano.

O Fê precisava ganhar peso para entrar na fila do transplante de pulmão. Foi colocada uma sonda no estômago para ele receber suplementos alimentares. Mas ele sabia que não ia sarar, que a doença era incurável.

SEM REMÉDIO O Fê passou a conversar mais comigo e com a tia [Dulce Machado]. Numa das últimas conversas, ele disse para a tia que não tinha medo da morte porque já não havia mais prazer algum na vida.

Mas eu não deixava o ambiente ficar triste em casa. Ele dizia: "Mãe, como é que você consegue ainda me fazer rir". E eu dizia: "Mãe é assim mesmo. Mãe chora, mãe é palhaça, mãe é boba.'
No Natal passado, eu já pressentia que seria o último do meu filho. Foi uma festa linda. Ele ganhou uma camiseta do São Paulo, que era o time que ele tinha paixão.
Na última internação, em 3 de janeiro, a médica explicou que os antibióticos não faziam mais efeito.

Quando ela saiu do quarto, o Fê disse: "Mãe, não tem remédio para mim mais..." Aí ele chorou muito. Viu que era o ponto final da medicina. Eu peguei na mãozinha dele e disse: "Filho, agora é só Deus. Se ele achar que pode fazer um milagre, vamos confiar".

Eu não chorava perto dele porque ele não gostava. Dizia: "Mãe, se você não ficar forte, o que vai ser de mim?". Eu sofria por dentro, sem demonstrar. Só chorava longe.
No dia 19 de janeiro, comemoramos o aniversário dele no hospital. Vieram os primos, as médicas, as enfermeiras. Ele ficou tão feliz! Comemoramos também o fato dele ter atingido 50,5 kg, que era o peso mínimo para entrar na fila de transplante.

Mas, com o passar dos dias, o desconforto respiratório foi piorando. Ele sentia muita dor, que só era controlada com morfina a cada quatro horas. No dia 26 de janeiro, foi transferido para a UTI semi-intensiva. Já não conseguia mais falar direito.

Ficava com a máscara de oxigênio o tempo todo. Conversando com a irmã, Jéssica, ele voltou a dizer que não tinha medo da morte, que estava em paz. Ele até brincou: "Vou ficar bem, vocês é que vão sofrer um pouquinho".

No dia 27, à tarde, soube que o Fê teria de ser entubado [respirador artificial] porque a máscara de oxigênio já não dava mais conta do desconforto respiratório. Os médicos queriam dar mais uma chance para o organismo reagir, pois a infecção pulmonar estava sem controle.
Foi um choque para mim. Eu sabia que aquele momento iria chegar, mas não esperava que fosse tão rápido. Quando o Fê soube, chorou.

Eu segurei a mão dele e disse: "Filho, não fique com medo. Eu vou ficar bem, a sua irmã vai ficar bem". Ele estava assustado, mas só perguntou se iria continuar dormindo, se não sentiria dor. Aquele olhar assustado foi a nossa despedida.

Em seguida, ele foi sedado. A esperança era que, em 72 horas, a infecção fosse controlada. Mas isso não aconteceu. O antibiótico não fazia mais efeito.

ATÉ O ÚLTIMO MINUTO Na segunda, dia 31 de janeiro, tomamos uma decisão em família: não reanimá-lo caso o coração dele parasse.
A proposta era dar o conforto necessário para ele não sofrer. A equipe médica iria aumentando a morfina e a sedação. Eu concordei. Vi meu filho sofrer tanto nesses últimos anos que eu não suportava prorrogar mais isso.

Foi de coração que eu entreguei ele para Deus. Fiquei até o último minuto ao lado dele, dizendo: "Filho, estou aqui. Se você quiser partir comigo aqui do teu lado, pode partir. Se você acordar, eu também estarei aqui".

Eu sabia que o Fê tinha uma briguinha com Deus por causa da morte do pai e por causa da sua doença. Na UTI, com ele inconsciente, eu dizia: "Filho, fala para Deus tirar você desse sofrimento". E falava para Deus: "Se for para trazer meu filho de volta, traga ele inteiro. Se não for, eu te dou de presente um anjo".

No dia 4 de fevereiro, ele quase não tinha mais pulsação. Olhei para o monitor, e os batimentos cardíacos estavam em 35 [o normal é de 60 a 100 batimentos por minuto]. Fiquei segurando a mão dele, beijando-o até o coração parar de vez. Doeu muito e ainda dói, mas me sinto com dever cumprido. Agora me sinto em paz.
Al Caparra, o gangster chic