sábado, 16 de março de 2013

Dos perigos de fazer uma viagem perimetral de inspeção

Caro leitor, 

Devo dizer-vos que encontro-me hoje no ano de 1789 e estou a serviço de empresa para a qual trabalho mas cuja finalidade operacional não tenho condições de explicar qual é, pois nunca a entendi.  Percorro algum país em viagem perimetral de inspeção. Também não sei exatamente o que isso significa, mas cumpro com meu mister da melhor forma possível: interrogo pessoas a esmo, pergunto como vai o tempo, inquiro se nasceu algum novo carneiro, busco informar-me sobre qual a idade de uma formiga, indago se um peixe pode ser segrado rei, se uma cobra pode prescrever receituário médico e coisas que tais. Como vedes, coisas jurisconsultas e altíssimas.

Anoto tudo e logo em seguida jogo as anotações fora. Em seguida a mim vem um inspetor que recolhe meus escritos, os lê e os arremessa no mato, e atrás dele vem outro e faz a mesma coisa e logo após outro, outro e outro, e isso se repete indefinidamente. Mas, atentai bem, estas foram as instruções que recebi para que fosse levada e efeito uma eficaz viagem perimetral de inspeção. Sendo assim, como cumpro com inominável prazer e desesperada ânsia este fado, creio que estou me saindo muito bem.

A carruagem em que me desloco é uma espécie de inferno ambulante, tal o calor impregnante que me acossa em meio a estrada sacolejante. Já superamos, eu e os outros infelizes viajores que cumprem comigo este périplo insano, cada um com seus motivos, chuvas que mais se assemelham às mais imponentes cachoeiras, ataques de salteadores, perseguição de matilhas e gritos de pavor de velhas devotas em lugarejos insólitos - elas emitem guinchos terríveis quando nos veem em nosso lastimável estado: roupas sujas, cabelos eriçados, botas enlameadas, olhos injetados, pensando, tais e bondosas criaturas, que somos representantes do Maldito. Velhos curas nos expulsam apresentando o crucifixo. Como medida de bom senso fugimos sem parar.

Afinal, digo-vos, aproximo-me do término de minha viagem e eis que surge o gerente geral de viagens perimetrais de inspeção e me avisa: "Vais iniciar imediatamente uma viagem perimetral de inspeção, pois dizem que nos confins deste país maltas de desocupados, biltres temíveis, répobros insondáveis, ímpios impudentes e homens mal-faladores, além de néscios preguiçosos e beócios empedernidos preparam surtida contra a lei e contra ordem e, destarte, El Rey precisa de dados e números para preparar as defesas de todos os burgos."

Diante de tal quadro fugi, pois horrendo medo se apoderou de mim, inopinadamente, ao sentir que meu trabalho é cousa de louco ou de alguém a este assemelhado. Embrenhei-me na primeira e mais feroz floresta, cujas árvores têm arestas e espinhos de mais de um metro de comprimento e aliei-me ao primeiro magote de ímpios e outros banidos que encontrei. E, assim, senti-me pleno e lesto: depois desta fuga participarei de assaltos aos burgos mais solenes e preclaros, ataques a cidades ilustres e luminosas e jamais, nunca mais, farei novamente uma viagem perimetral de inspeção.

 O sol que virou buraco
 
Moradores da Rua Joaquim Eduardo de Farias, Ponta Negra reclamam da buraqueira. As crateras, que mais lembram o solo lunar, mal permitem o tráfego, atormentam os pedestres e dá surgimento a uma pergunta: foi para isso que pagaram IPTU de quase mil reais

A prefeitura, que anunciou uma gigantesca operação para recuperar as ruas, parece ter esquecido a promessa. Os mais prejudicados são os moradores do Condomínio Sun Rising. E se as palavras, em inglês querem dizer "sol nascente", ali o que se percebe mesmo é a escuridão do abandono.

sexta-feira, 15 de março de 2013




A coragem de falar
Trata-se de poderosa/dolorosa imagem que dá bem uma ideia de como o ser humano pode ser dominado, preso e humilhado, mas, apesar disso, não pode ser calado desde que assim o queira. É um hino à resistência, à coragem, ao desassombro.


Graças às gráficas
Os jornais brasileiros têm produzido magníficas capas tendo como motivo a figura do papa Francisco. O grande poder significante desse discurso gráfico sequer pode ser comparado ao que se produz para o jornalismo online. A produção de sentido via impresso supera em muito aquilo que se envia pela net.

O belo exemplo do Correrio Braziliense: criativo e eficaz na mensagem
Aparentemente o que digo é um paradoxo, uma inconsistência, vez que me utilizo da internet. Mas é somente em aparência, ou seja: estou utilizando de estratégia metadiscursiva, o pronunciamento questionando o próprio pronunciamento. Não nego a força da net, apenas digo que a plataforma computador não se presta a ser utilizada com todas as nuanças que caracterizam o impresso. 

O tamanho do jornal em papel permite a ampliação da imagem e o detalhamento do texto. Há a sensação de obra de arte. Por mais longo que seja, há recursos de planejamento gráfico que facilitam a sua leitura. E isso não se dá aqui, onde os textos devem ter média de sete parágrafos, cada um com igual ou menor número de linhas.

É cansativo ler todo um jornal, mesmo usando um tablet. É prazeroso ler um jornal na forma impressa. O enunciado ganha força, permite uma enunciação eficaz, aumenta a sintonia com o leitor, reverbera em sua eficácia editorial. Aqui, a argumentação deve ser concisa, firme, sem a possibilidade de maiores digressões.

Por isso as capas têm sido tão criativas, a arte aplicada a um dizer de informação. A presença da poética no noticiário facilita o enlace, o enclave entre o jornal e seu leitor. 

As capas têm permitido acrescentar às informações sobre o papa, via impressionismo, todo o poder do impresso. Claro, este terá que se reinventar, tomando o caminho da análise e da interpretação, da opinião e de um certo didatismo opinativo. O jornal como praça social. Acho que é isso, ou pelo menos penso que seja isso.

quarta-feira, 13 de março de 2013



Irmão sol, irmã lua
O papa Francisco parece ter lavado a alma dos fiéis. Em sua primeira aparição pública após ser escolhido para o cargo deu demonstrações de ser bem mais comunicativo que aquele a quem sucedeu. No campo midiático isso é essencial, especialmente agora quando a Igreja está às voltas com perda de seguidores e escândalos de pedofilia. 

Folha de S. Paulo
A adoção do nome Francisco é alusão clara ao frade amigo dos pobres e dos animais. O notável simbolismo sugere a ligação do então cardeal aos descamisados, podendo tornar-se marca registrada do papado que ora começa.  

Isso implica, enquanto prática, num discurso que bem pode encaminhar a Igreja no rumo de aproximação daqueles que mais sofrem com as consequências históricas de um mundo marcado pela crescente exclusão e injustiças sociais.

Nada, porém, que o ligue a correntes como a Teologia da Libertação. Longe disso, estaria mais próximo da caridade, que tanto marcava Francisco, o frade, que da reação política a problemas sociais. Mais claramente: Francisco, o papa, dá indícios de amparo em vez de mobilização; conforto pela palavra ao invés de indignação. 

Pode ser, suponho, o surgimento de um novo líder com carisma e força para buscar o restabelecimento da força da Igreja; reorganizando e  chamando a seu aprisco os cristãos que confiam num discurso de concórdia e sentido de comunidade. Ou seja: o estabelecimento de um sistema de crença centrado na irmanação, bastante caro aos franciscanos.

Ao que parece, Papa Francisco teria condições de reacender aquele sentimento de fé, em seu sentido epifânico-mariano. Em meio à crise da Igreja esse caminho pode sim ser a senda midiaticamente, tecnicamente mais acertada no enfrentamento da perda de fiéis, na busca pela certeza que sempre foi o alicerce da Igreja.


Papas na língua
palcocatolico.com.br/noticias
O processo de escolha de um novo papa, tradicionalmente cercado de expectativas­­­, ganha expressão midiática, assumindo ares de reality show. Com a Igreja envolta em casos tipicamente laicos, melhor dizendo, mundanos, pecaminosos, a eleição do novo sumo pontífice assume conotações políticas e de marketing.

Do ponto de vista político o novo papa precisará ter competência para dialogar com uma sociedade ocidental em transe. Ou seja: com o esgotamento do modelo eclesial hegemônico, será necessário ter atitude compatível com o momento para manter espaço de poder, e isso depende muito da quantidade de fiéis que componha o seu rebanho. Quanto maior for esse número maior será o poder. E isso, sabemos, já não é tão patente quanto em épocas passadas.

Muitos abandonam a Igreja para formar ao lado de congregações que prometem a seus seguidores dinheiro e felicidade neste mundo. Outros, simplesmente, não querem mais saber de religião e pronto. O poder, então, começa então no processo de cativar e fidelizar os crentes, para, a partir daí, colocar-se e instituição em condições de apresentar-se de forma competente em seu campo de atuação.

A Igreja, além do mais, deverá ser mais marqueteira. A entidade vive uma crise de comunicação de seus valores e sua alta hierarquia sabe disso. Dogmas e procedimentos tradicionais batem de frente com uma sociedade cada vez mais laica e de costumes liberais. Afora isso, há a questão das injustiças sociais, que exigem da Igreja alguma forma de posicionamento; porque também de pão vive o homem.

De qualquer forma a instituição tem prestígio. Tanto que as TVs do  mundo, jornais também, abrem espaço para  a cobertura do acontecimento. O que não se dá, por exemplo, com a escolha do sucessor do dalai lama, uma vez que o Ocidente é hegemônico até mesmo na comunicação global de seus valores.
De qualquer maneira estamos em vias de ter um novo papa em Roma. O novo papa está em todas as línguas da tagarelice mundial.

domingo, 10 de março de 2013



Dois mamutes me falam de uma nova e terrível evolução


Comentei aqui há poucos dias que fui procurado por um gorila e um papagaio, senhores de grande respeito e sábias ocorrências, que a mim vieram consultar a respeito do uso correto do papel crempom. Supunham que eu teria domínio e técnica de tal e tamanha ciência, para, com isso, entender o sentido da vida.

Infelizmente, não pude atendê-los. Não sei o uso correto do papel crepom e, portanto, o sentido da vida. Ontem, voltaram à minha casa e convidaram-me a grave entrevista com outros senhores de alta ressonância, hospedados na casa da um honorável orangotango, embaixador de Bornéus.

Entramos em um coche e meia hora depois chegávamos à casa do senhor embaixador. Macaco de modos aristocráticos, o orangotango convidou-nos a uma vasta sala de reuniões, decorada ao estilo vitoriano.

Pediu licença após uma rápida conversa de apresentações, e saiu. Retornou cerca de um quarto de hora depois, acompanhado por dois respeitáveis mamutes nascidos em Londres. Como pessoas educadas, pediram desculpas pelo incômodo a mim, ao gorila e ao papagaio mas, explicaram, tinham negócios de estado urgentes a tratar conosco.

Argumentamos que não é do nosso alvitre nos imiscuir em negócios de potências estrangeiras, mas os mamutes disseram que seríamos os únicos a ter alguma possibilidade de ajudá-los.

Em suma: os mamutes eram sábios pesquisadores. Suas últimas descobertas indicam que a humanidade - da qual fazem parte, claro - está ingressando num novo período evolutivo e, pelo que já estudaram, trata-se de algo de resultados trevosos.

"Como assim?", quis saber o papagaio. Explicaram que suas pesquisas demonstram que todos nós estamos nos encaminhando para nos transformar em monstros. As previsões são catastróficas, lamentaram.

"Como assim?, repetiu o papagaio, ele próprio um senhor que desenvolve estudos na área evolucionista, o mesmo se dizendo do gorila. Daí o convite. Mas eu, que posso eu fazer, eu que sou apenas um jornalista?

Responderam: é preciso confirmar os perigos dessa evolução. Conferenciaram com o gorila e o papagaio e chegam à conclusão que o perigo existe. E eu? O que faço? 

 "Ao senhor caberá divulgar o seguinte", disseram: "Haverá um tempo em que os homens, então já monstros, criarão estranhas ideias de mundo e a todos considerarão como inimigos."

"Depois, os criadores dessa ideias monstruosas dirão que os inimigos é que as criaram, assim como bombas e outros artefatos de morte. Com isso, terão direito de revidar. Preventivamente, é claro. E proclamarão terríveis doutrinas de dominação, justificando que há homens que nasceram para dominar e outros para ser dominados, devendo os servos servir eternamente."

Quanto a mim, disseram que devo, como jornalista, anunciar os tempos que virão, a fim de que tal intentona não se confirme, por reação da opinião pública. Pedi licença para pensar a respeito. Agora, já em casa, penso a respeito conforme prometido. Mas custa-me crer que isso venha a algum dia a acontecer. Espero, assim, uma nova visita dos meus amigos o gorila e o papagaio para lhes dizer que, sinceramente, não acredito que a humanidade chegue a patamar tão baixo...