sábado, 17 de maio de 2014

A aventura de voar sem medo...




Nuvens e café com leite

Emanoel Barreto

“Aprendi a delirar aos poucos, por intuição e gosto.”
https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=20204364#editor/target=post;postID=320689843613524706
 Quem me disse isso foi um amigo a quem o vulgo gosta de chamar de louco. Não o chamam assim por considerá-lo louco na exatidão do termo. Nada disso. Chamam-no louco por entendê-lo como, digamos assim, discrepante, estranho, não-alinhado, incomum. Chamam-no de louco pela absoluta e rude incapacidade de chegar até aonde ele chegou em gesto e poesia.

O meu amigo é pintor e gosta de escrever. Escreve com pincéis quando lhe dá na telha e pinta com palavras quando assim o entende. É um homem realizado espiritualmente. E isso lhe dá condições de ser como é. 

Meu amigo é um senhor de grandes mestrias. É sensível, requintado, ético. Bebe licores finos, sabe tocar oboé e cravo. Sua mulher tem o nome de Charlotte. Disse-me ele que vive cada momento como uma pequena eternidade. Às vezes gosta de meter-se no ambiente dos comuns para deles ouvir as conversas ásperas e grosseiras. E, claro, concordar com tudo apenas acenando com a cabeça. Após, tem ataques de riso que controla à força de tragos de legítimo bourbon. 

Meu amigo é intenso e de alguma forma perigoso, pois desafia o senso comum, a mediocridade, as coisas tidas como algo que deve ser como é.

Acabou de informar-me que está na Tailândia. Charlote está encantada – acentuou. Comprou um biplano. Legítimo exemplar de avião do tempo da Primeira Guerra. Mais uma de suas extravagâncias. Pretende voar para algum local distante. De lá, prometeu, irá a algum ponto alto. Alto, muito, muito alto. Bem acima das nuvens... 

 “E depois?”, perguntei. 

Depois, depois não sabe. Mas, parece-me, vai descer, aterrissar num ponto remoto da África central e encontrar-se com uns sobas. Quer entender com eles o sentido da vida. 

Gostaria de ser como ele. 
Somente para saber como é pegar um pedaço de nuvem, misturá-lo com o ar frio das alturas e mastigar sem pressa aquele manjar inesperado. E saborear, na imensidão do espaço, nuvem e café com leite...  


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Podres poderes




Os senhores e seus horrores

Emanoel Barreto

http://atarde.uol.com.br/mundo/materias/1537635-fao-1-em-cada-8-pessoas-no-mundo-ainda-passa-fome
Eles parecem não entender o recado das ruas; eles parecem não perceber as chamas e os protestos; e aparentam não notam que a realidade da massa é bem diferente do que reluz na TV; eles anunciam milagres enquanto as sete vacas magras caminham em meio ao povo; eles proclamam obras como se fizessem caridade; e fazem acordos de ocasião em câmaras secretas.

Eles não tomam ciência da filas; eles nada dizem sobre os que sofrem abandono em hospitais; eles brindam enquanto as balas promovem o horror; e viajam quando as manchetes expõem a fome. 

Eles esquecem que tudo tem um limite; e nas ruas e praças a dor do povo parece ter começado a entornar; eles estabelecem verdades de papel; e acreditam que nelas todos devem acreditar; eles dizem que sempre se pode suportar um p0uc0 mais, mas o povo já está lotado de desesperança e não há mais espaço para um pouco mais de sofrimento. 

Eles são eles. Eles são tudo. eu e você somos nada. E desse nada brota tudo o que nos acossa como alcateia.