O trágico e o belo da Copa; a grandeza e a queda na vida
O desenrolar catastrófico da Copa para o Brasil, aliado ao fato de que, mesmo sem sentido algum haverá a disputa por um infrutífero terceiro lugar, levam-me a analisar aqui o megaevento a partir da compreensão de que não é apenas um fato esportivo. Prefiro colocá-lo no plano da tragicidade histórica, funcionando como parábola do mundo que de alguma forma a Copa representa.
Vemos na Copa do Mundo, dentre outras coisas, a
simulação de uma guerra, a mesma guerra cotidiana e implacável do dia a dia, da
luta pela sobrevivência, do enfrentamento de pequenos horrores, dos dilemas
rotineiros, das pressões e perplexidades, fracassos e vitórias de ocasião que tanto
nos ufanam.
Depois da derrota mais horrenda ou da vitória mais olimpiana – tudo passa.
Depois da derrota mais horrenda ou da vitória mais olimpiana – tudo passa.
Sinto a Copa como um processo que
valoriza a exclusão, o sucesso mediante o empurra-empurra, o sai pra lá que
esse lugar é meu, o tenho de ganhar de qualquer jeito vem o é preciso que alguém seja
o vencedor, ou inversamente: é preciso que alguém seja o perdedor, o desgraçado, aquele
que ficou para trás por efeito de sua própria inépcia - e viva em público a
humilhação, o desterro.
Dá também para notar, em meio aos
micro acontecimentos dos jogos, a replicação de fatos da vida fora do campo. No
gramado também são encontrados os medíocres, os insatisfeitos, os
desequilibrados dando vasão a seus, será que posso dizer instintos? Digamos que
sim, que são instintos, só para facilitar a compreensão.
Vejamos: será que no seu dia a
dia você nunca foi mordido por alguém
que inveja seu talento? Ou se seu desempenho é sensacional, jamais lhe ocorreu
a agressão safada do colega sem brilho, atacando-o por trás, traiçoeiramente? Vimos
isso também na Copa: o jogador uruguaio hidrófobo mordendo o italiano; e seu similar
colombiano, atleta no máximo mediano, agredindo o olímpico Neymar. No jogo,
como elemento simbólico a realidade truculenta, covarde, também está presente
de forma crua.
Mas, da mesma forma como pude
notar aspectos dramáticos em seu sentido competitivo-destrutivo, vejo também
outra faceta existencial representada na Copa: os momentos de heroísmo, a
doação, o cansaço resistente, a coragem dos que sabem que não podem vencer mas
mesmo assim lutam até o último minuto. São eles os que suportam os momentos
finais dos acréscimos, enfrentam os instantes enervantes da prorrogação e partem
para o derradeiro pênalti, afinal batido e perdido.
Logo após vem o desalento. Mas,
ao longo do processo, o jogador reintegrado à vida, virá, necessariamente virá,
a compreensão de que tudo passou. Foi só um jogo.
A Copa é isso que eu disse mas
também é muito mais. O acontecimento é monumental, é complexo e traz agregado a
si outra complexidade, a complexidade de cada partida. Temos no grandioso
evento a convergência de aspectos ideológicos, políticos, sociológicos, antropológicos,
teatrais, bélicos, estéticos, poéticos. Pelo menos foram esses os que me
ocorreram agora. Cada um interligado aos demais de alguma forma e, também de
alguma forma, se interinfluenciando em suas múltiplas variáveis dependentes,
independentes, interdependentes.
A Copa é um microcosmo da vida
e por estar na vida é também parte dela. Está para acabar, mas não vai
acabar. Renascerá daqui a quatro anos com todas as suas mazelas e grandezas, esplendor
e queda, assim como a vida renasce todos os dias com seus fracassos e medos,
arroubo e vitórias. Ave Baco! Evoé, Vida!