Não uso de transcrever artigos, mas achei este
importante e compartilho.
Emanoel Barreto
Os equívocos do PT
e o sonho de Lula
Leonardo Boff
Durante quatro a cinco décadas
houve vigorosa movimentação das bases populares da sociedade discutindo que
“Brasil queremos”, diferente daquele que herdamos. Ele deveria nascer de baixo para
cima e de dentro para fora, democrático, participativo e libertário. Mas
consideremos um pouco os antecedentes histórico-sociais para entendermos por
quê esse projeto não conseguiu prosperar.
É do conhecimento dos
historiadores, mas muito pouco da população, como foi cruenta a nossa história
tanto na Colônia, na Independência como no reinado de Dom Pedro I, sob a
Regência e nos inícios do reinado de Dom Pedro II. As revoltas populares, de
mamelucos, negros, colonos e outros foram exterminadas a ferro e fogo, a
maioria fuzilada ou enforcada. Sempre vigorou espantoso divórcio entre o
Poder e a Sociedade. Os dois principais partidos, o Conservador e o Liberal, se
digladiavam por pífias reformas eleitorais e jurídicas, porém jamais abordaram
as questões sociais e econômicas. O que predominou foi a Política de
Conciliação entre os partidos e as oligarquias mas sempre sem o povo. Para o
povo não havia conciliação mas submissão. Esta estrutura histórico-social
excludente predominou até aos nossos dias.
No entanto, pela primeira vez,
uma coligação de forças progressistas e populares, hegemonizadas pelo PT, vindo
de baixo,chegou ao poder central. Ninguém pode negar o fato de que se conseguiu
a inclusão de milhões que sempre foram postos à margem. Far-se-iam em fim as
reformas de base?
Um governo ou governa sustentado
por uma sólida base parlamentar ou assentado no poder social dos movimentos
populares organizados.
Aqui se impunha uma decisão. Na
Bolívia, Evo Morales Ayma buscou apoio na vasta rede de movimentos sociais, de
onde ele veio como forte líder. Conseguiu, lutando contra os partidos. Depois
de anos, construiu uma base de sustentação popular, de indígenas, de
mulheres e de jovens a ponto de dar um rumo social ao Estado e lograr que mais
da metade do Senado seja hoje composta por mulheres. Agora os principais
partidos o apoiam e a Bolívia goza do maior crescimento econômico do
Continente.
Lula fez a opção contrária: optou
pelo Parlamento no ilusório pressuposto de que seria o atalho mais curto para
asreformas que pretendia. Assumiu o Presidencialismo de Coalizão. Líderes dos
movimentos sociais foram chamados a ocupar cargos no governo, enfraquecendo, em
parte, a força popular. Para Lula, mesmo mantendo ligação com os movimentos de
onde veio, não via neles o sustentáculo de seu poder, mas a coalizão pluriforme
de partidos. Se tivesse observado um pouco a história, teria sabido do risco
desta política de Coalização que atualiza a política de Conciliação do passado.
A Coalizão se faz à base de interesses, com negociações, troca de favores e
concessão de cargos e de verbas. A maioria dos parlamentares não
representa o povo mas os interesses dos grupos que lhes financiam as
campanhas. Todos, com raras exceções, falam do bem comum, mas é pura hipocrisia.
Na prática tratam da defesa dos bens particulares e corporativos. Crer no
atalho foi o sonho de Lula que não pode se realizar.
Por isso, em seus oito
anos, não conseguiu fazer passar nenhuma reforma, nem a política, nem a
econômica, nem a tributária e muito menos a reforma agrária. Não havia base.
A “Carta aos Brasileiros” que na
verdade era uma Carta aos Banqueiros, obrigou Lula a alinhar-se aos ditames da
macroeconomia mundial. Ela deixava pouco espaço para as políticas sociais.
Nessa economia, o mercado dita as normas e tudo tem seu preço. Assim parte da
cúpula do PT, metida nessa Coalizão, perdeu o contato orgânico com as
bases, sempre terapêutico contra a corrupção. Grande parte do PT traiu sua
bandeira principal que era a ética e a transparência. E o pior, traiu as
esperanças de 500 anos do povo. E nós que tanta confiança depositávamos no
novo, com as milhares comunidades de base, as pastorais sociais e os grupos
emergentes. Elas aprenderam articular fé e política. A mensagem originária de
Jesus de um Reino de justiça a partir dos últimos e da fraternidade viável,
apontava de que lado deveríamos estar: dos oprimidos. A política seria uma
mediação para alcançar tais bens para todos. Por isso, as centenas de CEBs não
entraram no PT; fundaram células e grupos, como instrumento para a realização
deste sonho.
O partido cometeu um
equívoco fatal: aceitou, sem mais, a opção de Lula pelo problemático
presidencialismo de coalizão. Deixou de se articular com as bases, de formar
politicamente seus membros e de suscitar novas lideranças.
E aí veio a corrupção do
“mensalão” sobre o qual se aplicou uma justiça duvidosa que a história um dia
tirará ainda a limpo. O “petrolão” pelos números altíssimos da corrupção,
inegável, condenável e vergonhosa, desmoralizou parte do PT e parte das
lideranças, atingindo seu coração.
O PT deve ao povo brasileiro uma
autocrítica nunca feita integralmente. Para se transformar numa fênix que
ressurge das cinzas, deverá voltar às bases e junto com o povo reaprender
alição de uma nova democracia participativa, popular e justa que poderá
resgatar a dívida histórica que os milhões de oprimidos ainda esperam desde a
Colônia. Quem cai sempre pode se levantar. Quem erra sempre pode aprender dos
erros.Caso queira sobreviver, o PT não tem outro caminho a percorrer senão
este.